CasaUncategorizedASCO 2020 – Highlights sobre Radioterapia no Câncer de Cabeça e Pescoço

ASCO 2020 – Highlights sobre Radioterapia no Câncer de Cabeça e Pescoço

 

 

 

 

 

Diego Chaves Rezende Morais (Radiooncologista do Grupo Oncoclínicas Recife e do Centro de Oncologia de Caruaru)

O congresso anual da American Society of Clinical Oncology – ASCO de 2020 ocorreu de forma on-line de 29 a 31 de maio. Dois importantes estudos sobre a radioterapia no câncer de cabeça e pescoço foram apresentados e serão discutidos em maiores detalhes: o estudo randomizado fase III DARS1 e o estudo fase II ECOG-ACRIN 33112.

 

  • Estudo DARS: randomised phase III multicentre study of dysphagia-optimised intensity modulated radiotherapy (Do-IMRT) versus standard intensity- modulated radiotherapy (S-IMRT) in head and neck cancer

Esse estudo randomizado fase III tinha como objetivo avaliar o benefício em termos de redução da toxicidade e melhora da deglutição com a estratégia de redução da dose de radioterapia sobre os músculos constrictores da faringe (PCM) através da radioterapia de intensidade modulada (Do-IMRT). O estudo incluiu 112 pacientes com tumores fundamentalmente de orofaringe (97% dos pacientes) os quais foram tratados com radioterapia cervical bilateral seja de forma isolada (apenas 10% dos casos) ou associada à quimioterapia. Alguns detalhes do estudo merecem destaque: pacientes com envolvimento da parede posterior da faringe, da área pós-cricóide ou dos linfonodos retrofaríngeos não foram incluídos uma vez que a proteção dos PCM poderia resultar em subdosagem do volume a ser tratado; a dose de radioterapia utilizada foi de 65 Gy em 30 frações para o tumor primário e linfonodos grosseiramente envolvidos com margem de 1,0 cm (CTV_65) e de 54 Gy em 30 frações sobre os sítios e linfonodos com risco de envolvimento subclínico (CTV_54) a qual pode ser considerada ligeiramente menor das doses habitualmente utilizadas em tumores localmente avançados de cabeça e pescoço tratados com radioterapia definitiva e, por fim, a avaliação dos desfechos de toxicidade era feita tanto pelos pacientes quanto por médicos os quais não sabiam em qual estratégia de tratamento o paciente havia sido incluído minimizando significativamente os possíveis vieses inerentes a essa avaliação.

Nos pacientes com tumores de orofaringe incluídos no braço do Do-IMRT o objetivo seria administrar dose média aos PCM superiores menor do que 50 Gy e aos PCM inferiores dose média menor do que 20 Gy. Duas considerações merecem ser feitas: a dose média nos PMC era calculada levando em consideração apenas o volume dos PMC situado fora do CTV_65 e a região dos PMC situada dentro do PTV_65 não poderia ser protegida durante o planejamento da radioterapia.

Os resultados mostraram que a estratégia de proteger os PCM proporcionou melhora importante e estatisticamente significativa da deglutição quando avaliada pelo MD Anderson Dysphagia Inventory (MDADI) composite score 01 ano após o tratamento. Houve também um ganho expressivo no score avaliado pela Performance Status Scale for Head & Neck Cancer nos domínios referentes à normalidade da dieta, capacidade de comer em público e compreensibilidade do discurso bem como na avaliação da capacidade de deglutição através de questionário aplicado diretamente ao paciente com 25% dos pacientes no braço do Do-IMRT relatando deglutição completamente normal após tratamento.

Apesar do número reduzido de pacientes incluídos no estudo e do seguimento ainda curto de apenas 26 meses, o uso Do-IMRT aparenta ser seguro do ponto de vista oncológico com resultados de controle local e sobrevida equivalentes nos dois grupos.

Em suma, o estudo demonstra que a estratégia de se proteger os PCM é exequível e se traduz claramente em menor comprometimento da capacidade de deglutição e melhora da qualidade de vida após “avaliação cega” tanto por parte dos pacientes quanto dos médicos sendo esse o ponto forte dos dados apresentados.

As limitações residem no pequeno número de pacientes incluídos no estudo e no seguimento ainda curto para garantir a segurança oncológica dessa estratégia aparentemente promissora.

Os cuidados a serem mencionados são a seleção adequada dos pacientes com exclusão daqueles com envolvimento dos linfonodos retrofaríngeos e atenção redobrada no delineamento e planejamento a fim de evitar subdosagem no volume de tratamento.

 

  • Estudo ECOG-ACRIN 3311: Transoral robotic surgical resection followed by randomization to low- or standard-dose IMRT in resectable p16+ locally advanced oropharynx cancer: A trial of the ECOG-ACRIN Cancer Research Group (E3311)

Esse estudo randomizado fase II incluiu 353 pacientes com seguimento mediano de 32 meses portadores de tumores de orofaringe p16 positivo submetidos à cirurgia robótica transoral e esvaziamento cervical. O objetivo principal era demonstrar a segurança oncológica de se desintensificar o tratamento desses pacientes através da estratégia resumida no quadro abaixo:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os 37 pacientes incluídos no braço A (grupo de baixo risco) deveriam ter tumores pT1-2 com linfonodos negativos ou apenas 01 linfonodo positivo sem extravasamento extracapsular E margens livres superiores a 3 mm E ausência de invasão vascular E ausência de invasão perineural. Esses pacientes não eram submetidos a nenhum tratamento adjuvante e essa estratégia proporcionou excelente sobrevida livre de progressão (SLP) em 02 anos de 94%. As limitações que impedem, no momento, tornar essa conduta padrão nos pacientes com apenas 01 linfonodo positivo são o número extremamente pequeno de pacientes incluídos neste braço (apenas 37 pacientes), a ausência de informação sobre quantos pacientes no braço A efetivamente tinham 01 linfonodo positivo, o seguimento ainda curto e o fracasso de tentativas prévias de desintensificação do tratamento em tumores p16 positivos em estudos randomizados fase III prévios3-4. A segurança oncológica de se omitir a radioterapia em pacientes com 01 linfonodo positivo requer, portanto, validação em estudos de fase III futuros.

Os 110 pacientes no braço D (grupo de alto risco) tinham margens positivas (11%) OU 05 ou mais linfonodos positivos (25%) OU extravasamento extracapsular superior a 1 mm (76%) e eram submetidos à radioterapia adjuvante (66Gy em 33 frações) com cisplatina semanal concomitante. Essa estratégia proporcionou SLP em 02 anos de 90,5% com 04 recidivas locais e 03 recidivas à distância. Uma observação importante é que esse grupo representou 30% dos pacientes incluídos no estudo reforçando a importância de identificarmos previamente à cirurgia os pacientes com alto risco de necessitarem de radioquimioterapia adjuvante a fim de se evitarmos o uso da terapia trimodal nos mesmos a qual claramente está associada à maior morbidade aguda e tardia.

Por fim, os pacientes com risco intermediário (margens livres, porém inferiores a 3 mm OU 02 a 04 linfonodos positivos OU presença de extravasamento extracapsular inferior a 1 mm OU presença de invasão vascular OU presença de invasão perineural) foram randomizados para radioterapia adjuvante com dose standard 60 Gy em 30 frações versus radioterapia com dose reduzida 50 Gy em 25 frações. Os resultados foram equivalentes nos dois grupos com SLP em 02 anos de 96% com dose standard e 95% com baixa dose, com 02 recidivas locais no braço de baixa dose e nenhuma no braço com dose padrão. A publicação dos resultados definitivos do estudo com maior seguimento clínico e a apresentação dos resultados do estudo fase II-III PATHOS trial5 poderão tornar a dose de 50 Gy como padrão para os pacientes de risco intermediário em um futuro próximo e tornam necessária e fundamental a comparação em estudos de fase III dessa estratégia com o tratamento não-cirúrgico com radioterapia isolada ou associada à quimioterapia concomitante uma vez que evidências científicas sugerem melhor qualidade de vida com o tratamento não-cirúrgico em tumores de orofaringe6.

 

Referências bibliográficas:

1- Nutting C, et al, on behalf of the DARS Investigators. Results of a randomized phase III study of dysphagia-optimized intensity modulated radiotherapy (Do-IMRT) versus standard IMRT (S-IMRT) in head and neck cancer. Journal of Clinical Oncology 38, no. 15_suppl (May 20, 2020) 6508-6508.

 

2- Robert L. Ferris RL, et al. Transoral robotic surgical resection followed by randomization to low- or standard-dose IMRT in resectable p16+ locally advanced oropharynx cancer: A trial of the ECOG-ACRIN Cancer Research Group (E3311). Journal of Clinical Oncology 38, no. 15_suppl (May 20, 2020) 6500-6500.

 

3- Mehanna H, et al; De-ESCALaTE HPV Trial Group. Radiotherapy plus cisplatin or cetuximab in low-risk human papillomavirus-positive oropharyngeal cancer (De-ESCALaTE HPV): an open-label randomised controlled phase 3 trial. Lancet. 2019 Jan 5;393(10166):51-60.

 

4- Gillison ML, et al. Radiotherapy plus cetuximab or cisplatin in human papillomavirus-positive oropharyngeal cancer (NRG Oncology RTOG 1016): a randomised, multicentre, non-inferiority trial. Lancet. 2019 Jan 5;393(10166):40-50.

 

5- Owadally W, et al. PATHOS: a phase II/III trial of risk-stratified, reduced intensity adjuvant treatment in patients undergoing transoral surgery for Human papillomavirus (HPV) positive oropharyngeal cancer. BMC Cancer. 2015 Aug 27;15:602.

 

6- Nichols AC, et al. Radiotherapy versus transoral robotic surgery and neck dissection for oropharyngeal squamous cell carcinoma (ORATOR): an open-label, phase 2, randomised trial. Lancet Oncol. 2019 Oct;20(10):1349-1359.

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