Um estudo de fase 3, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, que reuniu 187 participantes a partir de 16 anos, diagnosticados com câncer diferenciado de tireoide, refratários à radioiodoterapia e previamente tratados com terapia direcionada ao receptor do fator de crescimento endotelial vascular (VEGFR) – mostra que esse perfil de pacientes pode ser beneficiado com uma linha adicional de tratamento com cabozantinibe, um inibidor da tirosina quinase. Esta é a conclusão do estudo Cabozantinib for radioiodine-refractory differentiated thyroid cancer (COSMIC-311): a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 3 trial, publicado na revista científica The Lancet Oncology.
Entre 27 de fevereiro de 2019 e 18 de agosto de 2020, os pacientes foram sorteados para receber cabozantinibe na dose de 60mg/dia ou placebo. Houve redução do volume tumoral em 76% dos pacientes que receberam cabozantinibe, sendo que dez participantes (15%) no grupo de cabozantinibe foram classificados como resposta parcial contra nenhuma resposta parcial no grupo placebo. O cabozantinibe mostrou melhora significativa na sobrevida livre de progressão em relação ao placebo e os eventos adversos de grau 3 ou 4 ocorreram em 71 (57%) de 125 pacientes que receberam cabozantinibe e 16 (26%) de 62 que receberam placebo, sendo que os mais frequentes foram eritrodisestesia palmo-plantar (conhecida como síndrome mão-pé), hipertensão e fadiga. Eventos adversos graves relacionados ao tratamento ocorreram em 20 (16%) de 125 pacientes no grupo de cabozantinibe e em um (2%) de 62 no grupo de placebo. Não houve mortes relacionadas ao tratamento.
Na opinião do oncologista clínico Dr. Lucas Vieira dos Santos, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, que comenta o estudo a convite do GBCP, o cabozantinibe deve, de fato, ser considerado o tratamento padrão a pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide em fase refratária a iodoterapia após falha ao tratamento inicial com lenvatinibe e/ou sorafenibe. “Esta recomendação baseia-se em ganho significativo de sobrevivência livre de progressão. Além disso, os dados de sobrevivência global, embora não fossem o desfecho primário do estudo, são numericamente maiores no grupo que recebeu cabozantinibe”, destaca Dr. Lucas dos Santos.
Por que se começa com iodoterapia, mas alguns casos se mostram refratários?
Dr. Lucas dos Santos explica que os tumores diferenciados de tireoide são, em sua maioria, funcionalmente semelhantes às células tiroidianas normais, incluindo a capacidade de internalizar iodo. Isso, segundo ele, abre a possibilidade de tratamento com iodo radioativo, como se fosse um Cavalo de Tróia. Com o passar do tempo, os tumores da tireoide adquirem, evolutivamente, mais agressividade e, com isso, perdem a capacidade de incorporar iodo em suas células, fazendo que a estratégia de oferecer iodo radioativo deixe de funcionar. “É neste momento que devemos adicionar as quimioterapias orais dentro do cuidado dos pacientes”, explica.
A principal contribuição do estudo, avalia Dr. Lucas, é a demonstração de que temos uma opção adicional àquelas já aprovadas. “Temos também boa evidência de que múltiplos tratamentos, em sequência, podem ajudar os pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide”, comemora.
Para ser possível atingir os melhores resultados, o oncologista acrescenta que os pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide devem ser avaliados por um time multidisciplinar, com discussão integrada sobre os objetivos do tratamento e as melhores ferramentas para cada caso.
O medicamento, para essa indicação, foi aprovado na última sexta, dia 17.09.21, pelo FDA, agência reguladora dos Estados Unidos.
Referência do estudo
Brose MS, Robinson B, Sherman SI, Krajewska J, Lin CC, Vaisman F, Hoff AO, Hitre E, Bowles DW, Hernando J, Faoro L, Banerjee K, Oliver JW, Keam B, Capdevila J. Cabozantinib for radioiodine-refractory differentiated thyroid cancer (COSMIC-311): a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet Oncol. 2021 Aug;22(8):1126-1138. -controlled, multicentre, phase 3 trial. Lancet Oncol. 2021 Apr;22(4):450-462.
Disponível em:
https://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(21)00332-6/fulltext