CasaPublicações CientíficasCuidado multidisciplinar em Cabeça e Pescoço melhora qualidade de vida, resultados funcionais e qualidade de vida do paciente

Cuidado multidisciplinar em Cabeça e Pescoço melhora qualidade de vida, resultados funcionais e qualidade de vida do paciente

Partindo da premissa que o câncer de cabeça e pescoço é complexo e multifacetado, um grupo de pesquisa do The START Center for Cancer Care, Sarah Cannon e San Antonio Head and Neck, instituições especializadas em assistência oncológica e localizada em San Antonio, no estado do Texas, publicaram um relatório de diretrizes sobre um melhor manejo dos pacientes de tal forma que supere barreiras e desafios que impactam no atendimento de qualidade e em tempo oportuno, em todas as fases do tratamento, do diagnóstico à reabilitação. O trabalho Barriers to Comprehensive Multidisciplinary Head and Neck Care in a Community Oncology Practice foi publicado no Educational book, da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO).

 

De acordo com os autores, formar uma equipe multidisciplinar de câncer de cabeça e pescoço abrangente, com profissionais de várias especialidades, que ofereçam cuidados de alta qualidade exige muito tempo e comprometimento, mas é viável e altamente recompensado. Segundo eles, com boa comunicação, trabalho árduo, adesão às diretrizes nacionais e coordenação criativa dos recursos da comunidade, as barreiras ao atendimento multidisciplinar podem ser superadas.

 

Convidado pelo GBCP para analisar o estudo e compartilhar a experiência brasileira, o cirurgião de Cabeça e Pescoço do A.C.Camargo Cancer Center, Dr. José Guilherme Vartanian, aponta que muitos pacientes apresentam grandes dificuldades para acesso ao sistema de saúde, com consequente atraso diagnóstico, dificuldades para deslocamentos (para realização de exames, consultas, tratamentos prolongados), limitações financeiras para suportar o período geralmente longo do tratamento e carecem do suporte familiar mais adequado.

 

Nesta entrevista, Dr. Vartanian fala sobre o papel das equipes multidiscipliares na comunidade (fora dos grandes centros), impacto deste cuidado no tempo e qualidade de sobrevida e o quanto as medidas, com potencial de superar as principais barreiras, são factíveis de serem aplicadas no Brasil. 

 

GBCP – Como você definiria uma equipe multidisciplinar baseada na comunidade e quais são os reais benefícios para os pacientes com diagnóstico de algum tipo de câncer de cabeça e pescoço?

Dr. Vartanian – Temos evidências claras na literatura de que o manejo dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, dentro de uma equipe multidisciplinar integrada, proporciona melhores desfechos, tanto oncológicos – com melhores taxas de sobrevida – como melhores resultados funcionais e de qualidade de vida, o que representa qualidade assistencial. Pela diversidade de situações clínicas, repercussões funcionais significativas e multidisciplinaridade do tratamento destes pacientes, principalmente no cenário de doença avançada, são consideradas essenciais. Em uma equipe multidisciplinar são diversos especialistas envolvidos, dentre eles médicos, como o cirurgião de cabeça e pescoço, radio-oncologista, oncologista clínico, radiologista, patologista (todos de preferência subespecializados em cabeça e pescoço), além dos demais profissionais não médicos envolvidos em toda a jornada destes pacientes e que auxiliam no manejo, suporte e reabilitação, como o dentista, nutricionista, fonoaudiólogo, enfermeiro, fisioterapeuta, psicólogo e assistente social.

GBCP – Com base no apontado no estudo e em sua experiência clínica, quais você considera como as principais barreiras financeiras e sociais em câncer de cabeça e pescoço?

Dr. Vartanian – Uma das principais barreiras para uma abordagem multidisciplinar mais abrangente no contexto baseado na comunidade, ou seja, fora dos grandes centros de tratamento oncológico, seria a dificuldade de acesso ao sistema de saúde, tanto no SUS quanto na Saúde Suplementar. Neste contexto, os pacientes, em sua maioria, são dependentes do sistema público de saúde, geralmente de classes socioeconômicas menos favorecidas, sendo que muitos deles não dispõem de uma estrutura familiar adequada. Desta forma, muitos apresentam grandes dificuldades para acesso ao sistema de saúde com consequente atraso diagnóstico, dificuldades para deslocamentos (para realização de exames, consultas, tratamentos prolongados), limitações financeiras para suportar o período geralmente longo do tratamento e carecem do suporte familiar mais adequado, que seria muito importante durante toda a jornada do tratamento e reabilitação.

GBCP – Os autores apontam que por meio de boa comunicação, trabalho árduo, adesão às diretrizes nacionais e coordenação criativa dos recursos da comunidade é possível superar as barreiras ao atendimento multidisciplinar e o atendimento individualizado, personalizado e altamente bem-sucedido pode ser fornecido aos pacientes. Como você avalia essa observação?

Dr. Vartanian – De fato, os principais fatores associados aos melhores desfechos dentro do cenário de manejo multidisciplinar seriam o diagnóstico e estadiamento mais precisos, contribuindo para uma melhor definição e personalização da estratégia terapêutica. Também é imprtante a rapidez na decisão terapêutica baseada em uma mais efetiva comunicação entre os profissionais envolvidos, maior aderência às diretrizes de tratamento com melhor evidência científica e um suporte mais personalizado antes, durante e após o tratamento, evitando interrupções e descontinuidade do mesmo e mitigando as potenciais complicações e sequelas da doença e seu tratamento. Para tanto, é necessário haver um esforço muito grande, principalmente para selecionar e integrar os profissionais envolvidos, engajar os pacientes e familiares e sobretudo uma coordenação bastante efetiva de todos os processos.

GBCP Considerando o cenário brasileiro, como isso se tornaria factível?

Dr. Vartanian – Nas capitais brasileiras, regiões metropolitanas e grandes centros regionais, considerando o cenário da saúde suplementar e pacientes privados, a abordagem multidisciplinar em centros de referência já é uma realidade para a maioria. Porém, em centros menores, regiões interioranas e nas regiões mais distantes do país, principalmente nas populações que dependem do sistema público de saúde, inúmeras barreiras ainda precisam ser superadas. Como proposto pelos autores do estudo em questão e que também considero essencial, seria a formação de equipes multidisciplinares, envolvendo os profissionais médicos e não médicos a partir de reuniões semanais, os chamados “tumor boards”. O engajamento destes profissionais, valorizando o papel de cada um na jornada dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, é essencial. Esta iniciativa pode ser tomada a partir dos próprios profissionais da região, mas também poderia ser estimulada pelas sociedades de especialidades, facilitando o contato e comunicação entre estes profissionais. Mesmo que alguns possam atuar em diferentes serviços de saúde na região, modelos híbridos de reuniões multidisciplinares, presencial e virtual, poderiam ser realizadas. O segundo passo que podemos considerar como um grande facilitador para a logística e redução de atrasos entre exames, consultas e tratamento, seria o envolvimento de enfermeiros navegadores, que ajudariam na coordenação e orientação aos pacientes, agendamento de exames e consultas, e ajudariam também na comunicação entre equipes e pacientes. Estas ações, feitas de forma coordenada, poderiam reduzir o tempo para a realização dos tratamentos principais e adjuvantes, assim como ser um facilitador para melhor integração entre as equipes de suporte e reabilitação.

GBCP – Qual é a principal contribuição deste estudo?

Dr. Vartanian – Acredito que a principal contribuição seja o estímulo a adoção deste modelo de assistência oncológica, com as melhores evidências de desfechos, mesmo no ambiente comunitário, longe dos grandes centros de referência. Outra contribuição muito importante foram as sugestões para solucionar as principais barreiras para a implementação deste modelo multidisciplinar, reforçando as principais medidas relacionadas as equipes, pacientes e instituições de saúde.

GBCP – Algo mais que gostaria de acrescentar?

Dr. Vartanian – No Brasil, vivemos diferentes realidades nas diferentes regiões do pais. Além disso, mesmo em grandes centros, podemos vivenciar discrepâncias significativas entre os diferentes serviços de saúde (privado x público x saúde suplementar). Se realmente quisermos melhorar nossos serviços oncológicos, oferecendo aos nossos pacientes a melhor qualidade assistencial, devemos nos mobilizar de fato, buscando implementar o modelo de assistência multidisciplinar, onde todos os profissionais estejam engajados e se sintam valorizados em toda a jornada do paciente com câncer de cabeça e pescoço. Sugerir mudanças nas políticas públicas de assistência a saúde é primordial e isto deve ser feito pelas sociedades de especialidades, sociedades de classe e CFM. Nosso engajamento, como profissionais diretamente envolvidos no manejo dos pacientes, pode ser realizado nos mais diversos ambientes. Para tanto, necessitamos de profissionais motivados, dispostos a sair da “zona de conforto” e usar nossa criatividade, tecnologia e trabalho em equipe para superar os obstáculos que enfrentamos em nosso pais.

 

Referência do estudo

 

Beeram M, Kennedy A, Hales N. Barriers to Comprehensive Multidisciplinary Head and Neck Care in a Community Oncology Practice. American Society of Clinical Oncology Educational Book 41 (May 19, 2021) e236-e245.

Disponível em  https://ascopubs.org/doi/full/10.1200/EDBK_320967  

 

 

 

 

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