Em pacientes com câncer de orofaringe que são positivos para o papilomavírus humano (HPV) do tipo 16 e que foram previamente operados (com margens cirúrgicas-PSM ou extensão extranodal-ENE), a quimioterapia associada à radioterapia não resultou em melhora da sobrevida global. Esta é a conclusão do estudo Comparing adjuvant radiation to adjuvant chemoradiation in postsurgical p16+ oropharyngeal carcinoma patients with extranodal extension or positive margins, publicado na edição de março da revista científica Head & Neck por pesquisadores do Huntsman Cancer Institute, da Universidade de Utah, nos Estados Unidos.
Os autores partiram da premissa que diretrizes adjuvantes (pós-cirurgia) em carcinoma de orofaringe p16+ ressecado cirurgicamente com margens cirúrgicas positivas (PSM) ou extensão extranodal (ENE) são baseadas em ensaios clínicos randomizados anteriores ao status p16. Portanto, ainda não está claro se a quimioterapia adjuvante é necessária em pacientes p16+ com essas características.
Para contribuir com a resposta, os pesquisadores usaram o National Cancer Database para identificar casos de carcinoma de orofaringe HPV16+ não metastáticos diagnosticados de 2010 a 2017. Ao todo, 14.071 pacientes tratados com ressecção cirúrgica seguida de radiação adjuvante (aRT) ou quimiorradiação adjuvante (aCRT) foram elegíveis para análise. Nesta amostra, a sobrevida global não foi estatisticamente diferente entre aRT e aCRT em pacientes com PSM. Com isso, concluiu-se que para os pacientes com carcinoma de orofaringe p16+ com ENE, PSM ou ambos, a adição de quimioterapia à radioterapia adjuvante não foi associada à melhora da sobrevida global.
RESULTADO AINDA NÃO MUDA A CONDUTA
A desintensificação do tratamento do carcinoma espinocelular HPV+ de cabeça e pescoço, em especial os localizados na orofaringe, é ensejo de alguns estudos na atualidade, explica o oncologista clínico Dr. Fernando Moura, coordenador médico do Centro de Medicina de Precisão do Hospital Israelita Albert Einstein e convidado pelo GBCP para comentar este estudo. Dentre as distintas abordagens estudadas no cenário HPV positivo, elenca Moura, estão a quimioterapia de indução, redução de doses de radioterapia pós-operatória ou de radioterapia definitiva, redução de doses de quimioterapia em concomitância à radioterapia ou, até mesmo, exclusão de quimioterapia em associação à radioterapia.
Em comum, esses estudos de desintensificação têm o objetivo de reduzir os efeitos tóxicos dos tratamentos (preservando a qualidade de vida) ao mesmo tempo que pretendem assegurar os desfechos de interesse, como redução do risco de recorrência e ganhos em sobrevida global para o paciente. “O status de infecção por HPV no câncer de orofaringe poderá, no futuro, contribuir para seleção de pacientes, como forma de personalizar o tratamento, reduzindo suas toxicidades”, vislumbra Dr. Fernando.
Embora enalteça os resultados promissores deste trabalho e de alguns estudos de fase II envolvendo pacientes com câncer de orofaringe HPV+, Dr. Moura ressalta que não há recomendação formal e baseada em evidências científicas sólidas para modificar as recomendações de tratamento já estabelecidas e empregadas atualmente, tanto com relação às doses de radioterapia, quanto de quimioterapia. “Apesar de provocadores, os resultados baseados em dados retrospectivos não nos autorizam a modificar a recomendação padrão. Não há suporte para excluir quimioterapia com cisplatina durante a radioterapia adjuvante”, ressalta o especialista brasileiro.
No entanto, conclui Dr. Moura, este trabalho de Fenlon e colaboradores deixa claro que pode existir oportunidade para abolir o tratamento com cisplatina durante a radioterapia adjuvante de pacientes com câncer de orofaringe p16+ (mesmo em cenários de pior prognóstico como presença de ENE e/ou margens comprometidas) sem prejuízo ao desfecho de sobrevida global e aprimorando a qualidade de vida. Porém, há necessidade de dados prospectivos e confirmatórios para que se altere a prática clínica.
Referência do estudo
Fenlon JB, Hutten RJ, Weil CR, Lloyd S, Cannon DM, Kerrigan K, Cannon RB, Hitchcock YJ. Comparing adjuvant radiation to adjuvant chemoradiation in postsurgical p16+ oropharyngeal carcinoma patients with extranodal extension or positive margins. Head Neck. 2022 Mar;44(3):606-614.
Disponível em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/hed.26951