Uma meta-análise robusta, de 116 ensaios clínicos randomizados publicados entre 1980 e 2016 avaliou 16 diferentes modalidades terapêuticas em 29.978 pacientes com câncer de cabeça e pescoço localmente avançado. Embora a conclusão dos autores tenha apontado a radioterapia hiperfracionada com quimioterapia concomitante (HFCRT) como o melhor tratamento na análise de sobrevida global e sobrevida livre de doença, o estudo Chemotherapy and radiotherapy in locally advanced head and neck cancer: an individual patient data network meta-analysis, publicado na revista científica The Lancet Oncology, não altera a atual conduta clínica, que é de radioterapia (sem hiperfracionamento) com quimioterapia concomitante.
Ao analisar o trabalho, o radio-oncologista Dr. Diego Chaves Rezende Morais, membro fundador do GBCP, destaca que embora seja um estudo interessante por ser uma meta-análise, com uma grande coorte de pacientes, há fragilidades importantes. Dentre elas, o fato de muitos dos ensaios clínicos revisados serem antigos e terem sido realizados com estratégias menos eficazes. “Hoje a radioterapia é mais moderna. Além disso, o perfil da doença também mudou. Saímos do contexto de termos apenas tabagistas e etilistas para um cenário em que há um número crescente de pacientes mais jovens, que nunca fumaram e beberam, cujo tumor é causado pelo vírus HPV, para os quais o prognóstico é significativamente melhor. Além disso, as populações contempladas não tiveram, na maioria dos casos, estratégias comparáveis, o que é um viés importante, dificultando uma melhor análise dos dados”, explica Dr. Diego, que é também radio-oncologista da Oncoclínicas Recife e do Centro de Oncologia de Caruaru.
Nesta meta-análise, realizada pelos grupos colaborativos MACH-NC e MARCH, a radioterapia hiperfracionada com quimioterapia concomitante (HFCRT) foi classificada como o melhor tratamento quando avaliados os end-points de sobrevida global, sobrevida livre de eventos e sobravida câncer específica. Dr. Diego Rezende explica que na radioterapia hiperfracionada o paciente realiza duas sessões de radioterapia no mesmo dia com intervalo entre elas de pelo menos 6-8 horas. “No entanto, dos mais de 29 mil pacientes avaliados no estudo, somente 384 foram tratados com essa estratégia. Isso limita o resultado e dificulta uma generalização dos resultados obtidos”, ressalta.
Ausência de análise de toxidade
Embora a análise da toxidade para pacientes com câncer de cabeça e pescoço seja relevante, os autores não avaliaram esse aspecto. “O tratamento dos tumores nesta região costuma ser tóxico e o cenário de radioterapia com hiperfracionamento e ainda concomitante à quimioterapia, é potencialmente mais tóxico. A consequência é o maior risco de efeitos colaterais intensos, incluindo mucosite severa, odinofagia importante e perda ponderal significativa”, aponta.
Com o hiperfracionamento, embora sejam diminuídas as doses por fração, são aplicadas duas frações diárias ao invés de apenas uma por dia. No geral, explica Dr. Diego, são dadas mais frações no mesmo período. Ao invés de 35 frações em sete semanas, com o hiperfracionamento a média é de 68 frações em 34 dias.
Os eventos adversos mais comuns no tratamento de câncer de cabeça e pescoço são dor para engolir (odinofagia), perda do paladar, aftas e feridas na boca (mucosite), boca seca (xerostomia) e escurecimento da pele. “Costumo dizer que tudo conspira para o paciente não se alimentar adequadamente. Ele não sente o gosto do alimento, tem dificuldade para mastigar e engolir em virtude das aftas e da falta de saliva e ainda, quando consegue engolir, sente dor. Muitos pacientes perdem muito peso durante o tratamento e alguns precisam de sonda para poder se alimentar. Trata-se de um tratamento que requer uma participação intensa dos médicos envolvidos com envolvimento da equipe multidisciplinar com participação ativa da nutrição, odontologia, enfermagem e fonoaudiologia”.
Os autores da pesquisa esclarecem que o tratamento com hiperfracionamento pode ser difícil de implementar na prática diária, podendo, no entanto, ser adequado para o tratamento de tumores de cabeça e pescoço HPV-negativo localmente avançados ao diagnóstico. Quimioterapia de indução com base em taxanos seguida de forma ideal por quimiorradioterapia concomitante é outra estratégia que tem bons resultados para pacientes selecionados, com bom status de desempenho e comorbidades menores, porém cujos resultados precisam comparados à radioquimioterapia concomitantes a fim de definir a melhor estratégia.
Na opinião do radio-oncologista Dr. Diego Rezende, esses tratamentos devem, idealmente, ser mais investigados em ensaios clínicos randomizados. No entanto, na ausência de estudos randomizados, essas descobertas podem ajudar na tomada de decisão clínica atual, avalia.
Referência do estudo:
Petit C, Lacas B, Pignon JP, Le QT, Grégoire V, Grau C, Hackshaw A, et al. Chemotherapy and radiotherapy in locally advanced head and neck cancer: an individual patient data network meta-analysis. Lancet Oncol. 2021 May;22(5):727-736. doi: 10.1016/S1470-2045(21)00076-0. Epub 2021 Apr 13. PMID: 33862002.
Disponível em:
https://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(21)00076-0/fulltext