Por Fernando Santos de Azevedo, residente em Oncologia Clínica da Universidade Federal de Goiânia, mentorado da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e Aline Lauda Freitas Chaves, Oncologista Clínica, DOM Oncologia e presidente do GBCP
O carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço é mais incidente na América do Sul, sendo Brasil, Argentina, Guiana Francesa e Uruguai com maior número de casos. Os principais fatores de risco potencialmente modificáveis são tabagismo e etilismo, porém, infecção por HPV de alto risco tem se tornado um importante promotor do CEC de orofaringe. No Brasil, a incidência de tumores p16 positivos é menor comparado a países europeus e da América do Norte e os dados de sobrevida após o diagnostico permanecem escassos.
O InterCHANGE, foi um estudo de caso-controle, multicêntrico, desenhado para melhor entender o papel do HPV, genética, consumo de álcool e tabaco, na etiologia e desfecho clínico dos pacientes com CECCP (cavidade oral, laringe, faringe) nos países latino americanos.
Na avaliação deste artigo, foram considerados dados prospectivos coletados estudo citado anteriormente, com intuito de avaliar sobrevida dos pacientes com CECCP de várias instituições da América do Sul1.
Os critérios de inclusão foram pacientes com idade maior ou igual a 18 anos e diagnóstico de CECCP entre 2011 a 2017. Os pacientes participaram de uma de uma entrevista conduzida dentro de 6 meses do diagnóstico no qual foram avaliados dados sociodemografios (local de residência ao tempo do recrutamento, sexo, idade, nível educacional, raça ou etnia), estilo de vida (história de tabagismo e etilismo) características clinico patológicas (estágio da doença pelo TNM, sorologia para HPV-16 E6 para pacientes com câncer de orofaringe); E o desfecho primário avaliado foi sobrevida global.
A análise foi baseada em 1463 pacientes com histórico clínico completo. Destes 40.9% tinham câncer de cavidade oral, orofaringe em 27.9%, laringe 25;8% e hipofaringe com 5.3%. A maioria dos pacientes eram brasileiros representando 80,9% da população analisada, Argentina 15.6%, Uruguai 2.2% e Colômbia com 2%. Considerando o estágio clínico da doença, aproximadamente 55.5% dos tumores foram diagnosticados com EC IV.
A sobrevida em 3 anos estimada foi maior nos tumores de laringe, seguido de cavidade oral; intermediaria nos tumores de orofaringe e mais baixa nos tumores de hipofaringe. Figura 1. Em análise por fatores prognósticos, a sobrevida foi pior em estágios mais avançados, independente da localização do tumor de cabeça e pescoço, baixo nível educacional e tabagismo para câncer de cavidade oral e orofaringe, consumo de álcool para câncer de laringe e orofaringe, sexo masculino e diagnóstico de doença em idade mais avançada para câncer de orofaringe. Em análise de subgrupo de pacientes com carcinoma de orofaringe HPV-positivo, a sobrevida em 3 anos foi maior (75.6%) comparado HPV-negativo (44.6%). Figura 2.
A mortalidade foi maior em pacientes idosos (maiores que 61 anos de idade com HR de 1.46) e doença estágio avançado, com HR de 11.7, independente do sitio tumoral. Doenças respiratórias e cardiovasculares, causadas pelo tabagismo e etilismo, em pacientes com idade mais tardia ao diagnostico, foram associados a maior mortalidade, no qual destaca por limitada capacidade de garantir tratamento multimodal. Em análise de subgrupo pacientes com tumores de orofaringe HPV negativos possuíam 3.4 vezes maior risco de morte do que pacientes HPV positivo.
Outra informação relevante foi observada na alta proporção de doença EC III e IV na coorte avaliada, com aproximadamente 75% da população analisada incluídas em ambos estágios. Razão provável e frequente do diagnostico tardio, podendo estar relacionada a perda de acesso a cuidados de saúde apropriados, recursos médicos escassos, sistema fragmentado e não consciência dos sinais e sintomas do CCP, assim, atraso no diagnostico segue diretamente relacionado a diminuição do potencial de curabilidade, como relatado anteriormente, fator prognostico independente de sobrevida para todos os sítios de CCP.
Assim, concluímos que maiores esforços devem ser realizados para diagnóstico em estágios mais precoces do CCP na América do Sul no intuito de melhorar sobrevida destes pacientes.
Figura 1.
Figura 2.
Referência bibliográfica
1.Predictors of Survival After Head and Neck Squamous Cell Carcinoma in South America: The InterCHANGE Study Renata Abrahão, Sandra Perdomo, Luis Felipe Ribeiro Pinto, Flávia Nascimento de Carvalho, Fernando Luis Dias, José Roberto V. de Podestá, Sandra Ventorin von Zeidler, Priscila Marinho de Abreu, Marta Vilensky, Raul Eduardo Giglio, José Carlos Oliveira, Matinair Siqueira Mineiro, Luiz P. Kowalski, Mauro K. Ikeda, Mauricio Cuello, Andres Munyo, Paula A. Rodríguez-Urrego, José Antonio Hakim, David Alfonso Suarez-Zamora, Federico Cayol, Marcelo Fernando Figari, Javier Oliver, Valerie Gaborieau, Ruth H. Keogh, Paul Brennan, Maria Paula Curado, and on behalf of the InterCHANGE Group. JCO Global Oncology 2020 :6, 486-499