Por: Dr Thiago Celestino Chulam, cirurgião de cabeça e pescoço do AC Camargo
O câncer de cabeça e pescoço (CCP) apresenta cerca 450.000 novos casos em todo o mundo a cada ano, sendo assim, um importante problema de saúde pública1. Sabe-se que a presença de metástases linfonodais é um marcador de pior prognóstico e sobrevida global2. A imensa maioria dos tumores ocorre na cavidade oral e orofaringe e o adequado controle da doença linfonodal cervical é de extrema importância no manejo desses pacientes. A maioria dos pacientes com tumores de orofaringe apresenta doença linfonodal já na apresentação inicial, e 10% a 40% dos pacientes com pescoço inicialmente negativos terão metástases linfonodais ocultas tanto nos tumores de orofaringe quanto nos tumores de cavidade oral3,4. Diante disso, o manejo do pescoço é uma etapa fundamental na estratégia terapêutica desses pacientes.
O esvaziamento cervical e a radioterapia são os grandes pilares no manejo do pescoço nesses tumores. Com o decorrer do tempo, desenvolvimento de ferramentas diagnósticas e terapêuticas mais sofisticadas e seguras e com a melhor compreensão da biologia desses tumores, a definição da melhor estratégia tornou-se um grande desafio5,6
A recente publicação no JCO (Management of the Neck in Squamous Cell Carcinoma of the Oral Cavity and Oropharynx: ASCO Clinical Practice Guideline) teve o objetivo de fornecer recomendações baseadas em evidências sobre indicações, medidas de qualidade, eficácia comparativa do esvaziamento cervical e radioterapia, e quando e como incorporar a terapia sistêmica nesses pacientes. Estabeleceu-se uma comissão formada por cirurgiões, radioterapeutas e oncologistas clínicos que realizaram uma vasta revisão sistemática na literatura que compreendeu cerca 124 estudos que foram metodologicamente selecionados. Com base nesses estudos, esse grupo estabeleceu as melhores respostas a 6 perguntas estipuladas, 3 para cavidade oral e 3 em orofaringe.
Cavidade Oral:
- Quais são as indicações e as características de um esvaziamento cervical adequado no carcinoma de células escamosas da cavidade oral?
Recomendações:
– Pacientes cN0 à um esvaziamento cervical eletivo ipsilateral deve incluir níveis Ia, Ib, II e III. Um esvaziamento cervical eletivo adequado deve incluir pelo menos 18 linfonodos.
– Pacientes cT1, cN0 à um esvaziamento cervical eletivo ipsilateral deve ser realizado. Alternativamente, para pacientes selecionados com cT1, cN0, uma vigilância rigorosa pode ser oferecida por um cirurgião em conjunto com técnicas especializadas de vigilância ultrassonográfica do pescoço.
– Pacientes cT2 a cT4, cN0 à um esvaziamento cervical eletivo ipsilateral deve sempre ser realizado.
– Esvaziamento cervical seletivo terapêutico ipsilateral à deve incluir os níveis nodais Ia, Ib, IIa, IIb, III e IV. Deve incluir pelo menos 18 linfonodos. A dissecção de nível V pode ser oferecida em pacientes com doença acometendo múltiplos níveis cervicais
– Em pacientes com cN+ no pescoço contralateral à a dissecção cervical contralateral deve ser realizada. Em pacientes com pescoço contralateral negativo (cN0), um esvaziamento cervical contralateral eletivo pode ser oferecido em pacientes com tumor da língua oral e / ou assoalho de boca T3 / 4 ou que acometem a linha média.
- Em que circunstâncias, um pescoço esvaziado deve receber radioterapia ou quimiorradioterapia adjuvante em pacientes com tumores de cavidade oral?
Recomendações:
– A radioterapia adjuvante NÃO deve ser administrada a pacientes pN0 ou em pacientes pN1 sem extensão extranodal após esvaziamento cervical que obedeçam os critérios de qualidade, a menos que haja indicações específicas relacionadas às características do tumor primário, como invasão perineural, linfovascular ou tumores T3/4.
– A radioterapia adjuvante DEVE ser administrada a pacientes com câncer de cavidade oral com doença linfonodal pN1 que não foram submetidos a esvaziamento cervical adequado.
– A radioterapia cervical adjuvante DEVE ser administrada a pacientes com câncer de cavidade oral e doença linfonodal avançada (pN2 ou pN3).
– A quimioradioterapia adjuvante com cisplatina intravenosa (100 mg/m2) a cada 3 semanas DEVE ser oferecida a pacientes com câncer de cavidade oral que apresentem extensão extranodal, independentemente do grau de extensão extranodal e do número ou tamanho dos linfonodos envolvidos.
– A cisplatina semanal concomitante a radioterapia pós-operatória pode ser utilizada em pacientes considerados inadequados para cisplatina intermitente em altas doses após uma discussão cuidadosa e individualizada.
- A radioterapia para um pescoço clinicamente negativo (cN0) é um substituto adequado para o esvaziamento cervical eletivo?
Recomendações:
– O esvaziamento cervical eletivo é a abordagem preferida para pacientes com câncer de cavidade oral que necessitam de tratamento do pescoço clinicamente negativo. A radioterapia eletiva para um pescoço não esvaziado (50 a 56 Gy em 25 a 30 frações) pode ser eficaz e deve ser administrada se a cirurgia não for viável.
– Para pacientes que foram submetidos somente a esvaziamento cervical ipsilateral e apresentem risco substancial de envolvimento linfonodal contralateral (tumores T3/4 ou que se aproximem da linha média) a radioterapia cervical contralateral deve ser realizada.
Orofaringe
- Quais são as características de um esvaziamento cervical de alta qualidade no carcinoma de células escamosas da orofaringe?
Recomedações:
– Os pacientes com tumores de orofaringe lateralizados que estão sendo tratados com cirurgia curativa inicial devem ser submetidos a um esvaziamento cervical ipsilateral dos níveis II a IV. Uma dissecção adequada deve incluir pelo menos 18 linfonodos.
– Pacientes com tumores de orofaringe lateralizados que se submetem a esvaziamento cervical concomitantemente, ou antes de cirurgia endoscópica transoral de cabeça e pescoço, devem realizar a ligadura de vasos sangüíneos cervicais que irrigam a área operada para reduzir a gravidade e incidência de sangramento no pós-operatório.
– Pacientes com tumores que se estendam até a linha média na base da língua, que atinjam o palato mole ou que envolvam a parede posterior da orofaringe devem realizar esvaziamento cervical bilateral, a menos que esteja planejada radioterapia adjuvante bilateral. A equipe multidisciplinar deve discutir com os pacientes o potencial impacto funcional do esvaziamento cervical bilateral e radioterapia adjuvante pós-operatória com ou sem quimioterapia.
- Para pacientes com tumores de orofaringe, quais características clínicas e radiológicas da doença linfonodal poderiam influenciar na decisão de uma abordagem não-cirúrgica?
Recomendações:
– Uma abordagem não cirúrgica DEVE ser oferecida a pacientes com doença cN+ que apresentem extensão extranodal inequívoca nos tecidos moles circunvizinhos ou envolvimento da artéria carótida ou dos nervos cranianos.
– Pacientes com metástases à distância comprovadas por biópsia NÃO devem ser submetidos a esvaziamento cervical terapêutico.
- Em que circunstâncias um paciente com tumor de orofaringe deve ser submetido a um esvaziamento cervical de resgate após radioterapia ou quimiorradioterapia definitiva?
Recomendações:
– Se PET-CT em 12 ou mais semanas após o término da radiação/quimiorradiação mostrar captação intensa FDG em qualquer nódulo, o paciente deve ser submetido a esvaziamento cervical. Se o PET/CT não apresentar captação de FDG e o paciente não apresentar linfonodos anormalmente aumentados, o paciente não deve ser submetido ao esvaziamento cervical.
– Pacientes que completam radiação/quimiorradiação com imagens de controle oncológico (tomografia computadorizada ou ressonância magnética) em 12 ou mais semanas após o tratamento demonstrando resolução dos linfonodos previamente anormais não devem ser submetidos a esvaziamento cervical.
– Se a PET / TC com 12 ou mais semanas demonstrar uma captação discreta de FDG em um nódulo de 1 cm ou menos ou, na ocasião de um nódulo persistentemente aumentado de 1 cm ou mais, entretanto sem captação de FDG, o paciente poderá ser acompanhado de perto com imagens seriadas ou PET / CT, reservando o esvaziamento cervical para casos de suspeita clínica ou radiográfica de progressão de doença.
Referências
- Torre LA, Bray F, Siegel RL, et al: Global cancer statistics, 2012. CA Cancer J Clin 65:87-108, 2015
- Schuller DE, McGuirt WF, McCabe BF, et al: The prognostic significance of metastatic cervical lymph nodes. Laryngoscope 90:557-570, 1980
- Amini A, Jasem J, Jones BL, et al: Predictors of overall survival in human papillomavirus-associated oropharyngeal cancer using the National Cancer Data Base. Oral Oncol 56:1-7, 2016
- Kuo P, Mehra S, Sosa JA, et al: Proposing prognostic thresholds for lymph node yield in clinically lymph node-negative and lymph node-positive cancers of the oral cavity. Cancer 122:3624-3631, 2016
- Brizel DM: Head and neck cancer as a model for advances in imaging prognosis, early assessment, and posttherapy evaluation. Cancer J 17:159-165, 2011
- Helsen N, Van den Wyngaert T, Carp L, et al: FDG-PET/CT for treatment response assessment in head and neck squamous cell carcinoma: A systematic review and meta-analysis of diagnostic performance. Eur J Nucl Med Mol Imaging 45:1063-1071, 2018