Durante o tratamento do paciente com câncer de cabeça e pescoço, o fisioterapeuta já pode estar presente no plano de cuidados, junto à equipe multiprofissional, com objetivo de contribuir com uma avaliação individualizada, prevendo possíveis complicações.

“Onde alguns veem um ponto final, eu vejo uma vírgula”.
Essa frase sintetiza para Natália Carion Haddad, fisioterapeuta do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ), a essência e o propósito de sua especialidade, como parte da equipe multidisciplinar, que atua no tratamento do paciente com câncer de cabeça e pescoço.
Ela destaca que o que busca como fisioterapeuta é contribuir para que o paciente vá além da cura de sua doença, resgatando o máximo possível das funcionalidades de seu corpo e sua qualidade de vida, muitas vezes comprometidas pela própria enfermidade ou pelos tratamentos necessários.
A premissa é reconhecer o paciente como único, com uma biografia própria, experiências de vida, além das questões de saúde, recomenda Natália, ao enumerar as diversas possibilidades de sequelas, sejam em função do tratamento oncológico ou que já faziam parte do quadro clínico do paciente antes do câncer. “Podemos nos deparar com um paciente que no momento do diagnóstico, já apresente uma alteração funcional, falta de condicionamento físico, ou mesmo uma tendinite crônica ou capsulite adesiva, que é uma inflamação da cápsula articular do ombro”, exemplifica.
São situações que podem dificultar o enfrentamento do câncer. Nesse caso, o fisioterapeuta pode preparar o paciente, com uma pré-habilitação, contribuindo para melhorar seu status funcional geral, para que ele tenha melhores condições de lidar com o tratamento oncológico que pode incluir quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Além disso, um paciente que já começa o tratamento do câncer com outros aspectos debilitados de sua saúde pode ter mais dificuldade na reabilitação realizada no pós-tratamento.
Um caso hipotético, mas bastante possível em um paciente com câncer de cabeça e pescoço, segundo Natália, é a necessidade de fazer uma cirurgia que envolve o esvaziamento cervical (retirada de estruturas linfáticas e não-linfáticas do pescoço), que, eventualmente, pode comprometer o nervo craniano acessório, que passa justamente pelo caminho onde estão estas estruturas. Esse nervo tem a função de comandar alguns dos músculos que estabilizam o ombro. “Em alguns casos em que seja necessária a manipulação cirúrgica desse nervo, o paciente pode evoluir com uma condição denominada “síndrome do ombro caído” e, se já tiver a função do ombro comprometida antes do câncer, ele poderá ter mais dificuldade ou sentir mais dor durante a reabilitação”, diz.
Ademais, ao ter os linfonodos retirados, o paciente pode evoluir com prejuízo na drenagem linfática nessa região, o que pode provocar um acúmulo de líquido intersticial, resultando em edema e dor (linfedema). “O edema pode se formar no rosto, no pescoço, na língua. Além de questões relacionadas à autoimagem que um edema no rosto traz, quando ele se forma em estruturas internas pode causar disfunções, como dificuldade de deglutição e rigidez do pescoço. São casos em que a fisioterapia pode tratar com terapia complexa descongestiva, que são manobras de drenagem linfática manual, associada à terapia compressiva, cuidados com a pele e exercícios ativos, que reduz o edema, melhora os movimentos e diminui o desconforto da dor.
Assim, durante o tratamento, o fisioterapeuta já pode estar presente no plano de cuidados, junto à equipe multiprofissional, com objetivo de contribuir com uma avaliação individualizada, prevendo possíveis complicações. “No caso de pacientes que necessitam realizar quimioterapia antes da cirurgia com intuito de reduzir a carga tumoral, um efeito colateral comum é a fadiga oncológica. Em uma situação como essa, podemos atuar para melhorar o condicionamento físico do paciente. Isso também vale para a radioterapia que pode causar esse mesmo tipo de fadiga, explica. As regiões irradiadas, além de dor, podem ser acometidas por outros sintomas indesejáveis. Um pescoço que foi irradiado pode se tornar fibrótico e rígido e a fisioterapia pode trazer bons resultados para o paciente”, afirma.
Uma pessoa que precisa ser submetida a uma traqueostomia terá que lidar com o risco aumentado de infecções respiratórias, risco de aspiração de corpos estranhos através da via aérea artificial, acúmulo de secreções, além de limitar a movimentação do pescoço. Tudo isso pode ser melhorado com a fisioterapia. Outra condição que pode acometer o paciente de câncer de cabeça e pescoço é o trismo, quadro em que os músculos mastigatórios se enrijecem, reduzindo a abertura da boca. “Isso compromete demais a alimentação, a fala, a higiene bucal e até o acesso do cirurgião ou do odontólogo à região. A fisioterapia é o tratamento para esse problema”, afirma.
“Salvar uma vida é fundamental, mas manter a vida ativa e funcional também é viver".
A fisioterapia tem um papel muito importante no pós-tratamento para recuperar ao máximo o paciente de sequelas, principalmente, da cirurgia e da radioterapia”, afirma. Há pacientes, informa Natália, que permanecem com uma fadiga importante e podem ser tratados com exercícios resistidos progressivos. O tempo de tratamento e o nível de recuperação alcançado são individuais. Dependendo do paciente, ele pode ser tratado com exercícios resistidos, alongamentos, massoterapia, drenagem linfática manual, estimulação elétrica, além de recursos mecânicos, como instrumentos específicos para ajudar a ampliar a abertura da boca, entre varias outras possibilidades.
“A fisioterapia é uma área muito sensível. Precisamos lidar com pessoas que estão passando por momentos de muita fragilidade física e emocional. Mas o retorno vai muito além dos resultados que conseguimos com nossos pacientes, temos um retorno humano diário e isso é muto gratificante”.
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