Sobre o tema, conversamos com a nutricionista Olivia Galvão de Podestá, Doutora em Oncologia pelo A.C.Camargo Cancer Center e que atua na área há mais de 20 anos.
Dra. Olivia Podestá destaca como é importante cuidar da nutrição do paciente com câncer de cabeça e pescoço desde o diagnóstico da doença. Além disso, muitas vezes, o nutricionista acompanha a pessoa depois do tratamento, contribuindo no manejo das sequelas.
Confira a entrevista.
Qual é o papel da nutricionista na equipe multidisciplinar do tratamento de câncer de cabeça e pescoço?
O papel é fundamental porque o paciente com esse tipo de câncer terá um tumor cuja localização pode interferir ou impossibilitar sua alimentação por via oral. Ademais, um tumor hipermetabólico pode levar a uma perda de peso significativa. Também há questões relacionadas ao tratamento, que traz sintomas de impacto nutricional. Um profissional de nutrição capacitado em oncologia saberá que mesmo diante de um paciente bem nutrido, mas que apresenta um tumor de língua, haverá perda de peso durante sua jornada e quais as intervenções necessitam ser feitas.
Em que momento da jornada do paciente com câncer de cabeça e pescoço entra o trabalho do nutricionista?
O ideal é que o diagnóstico seja precoce e as intervenções do nutricionista também porque a perda de peso vai acontecer. No entanto, infelizmente, no Brasil, a maioria dos diagnósticos é feita tardiamente. Dessa forma, a chance do paciente já estar desnutrido no momento da descoberta da doença é alta, uma vez que os tumores já estão grandes e dificultam a alimentação.
Diante dessa cenário, qual é a estratégia adotada pelo nutricionista?
Se o paciente vai para a cirurgia na cavidade oral, por exemplo, é preciso pensar em uma via alternativa de alimentação porque, muitas vezes, ele não vai conseguir comer pela boca. Nesse caso, é possível passar uma sonda pelo nariz (nasoentérica) para levar nutrientes para o organismo no período pós-operatório. O ideal é que o paciente fique com essa sonda pelo menor tempo possível. O objetivo é evitar a desnutrição e contribuir com a cicatrização no pós-operatório, oferecendo a quantidade ideal de proteínas e calorias. Também há situações em que antes da cirurgia, o paciente é submetido à radioterapia e/ou quimioterapia. São tratamento que podem causar desconfortos que impedem uma boa alimentação. Entre eles, mucosite, dor, disfagia, náuseas. São casos em que é preciso discutir outras alternativas que impeçam a desnutrição, a perda de peso, principalmente, de massa muscular. Dessa discussão, além da nutricionista, participam dentista estomatologista, o oncologista, o cirurgião, a fonoaudióloga e a psicóloga.
Quais as opções para o paciente em tratamento que não consegue se alimentar?
Para alguns, eu indico a gastrostomia, que é a colocação de uma sonda através da pele da barriga, diretamente até o estômago. Em minha opinião, essa alternativa, quando bem indicada, resolve a vida do paciente. Com esse procedimento, garantimos a nutrição, sem os inconvenientes da sonda nasoentérica que, além de ser um incomodo, pode machucar e causar sinusite. No entanto, há médicos que apresentam certo receio em relação a gastrostomia. Eles acham que a pessoa pode ficar dependente da sonda e demorar mais para voltar a se alimentar por via oral. No entanto, isso não acontece, porque mesmo com o uso da sonda, o trabalho da fonoaudióloga em conjunto com a nutrição para estimular a alimentação oral acontece simultaneamente.
Para que perfil a gastrostomia é indicada?
Eu costumo indicar a gastrostomia para aquele paciente com risco de desnutrição e muito frágil. Essa fragilidade está relacionada a aspectos, como morar sozinho; não ter quem cuide e prepare o alimento; estar fora de seu ambiente, por exemplo, hospedado em casa de parentes. Também há os que não tem vínculo alimentar. É aquela pessoa que mesmo quando está saudável, não lembra de comer, não tem prazer em se alimentar. Esse é o tipo de paciente que vai dar mais trabalho para manter a nutrição e pode se beneficiar de uma gastrostomia. É preciso avaliar tudo isso porque não adianta prescrever um procedimento que seja inviável para o paciente. Cuidar da nutrição é uma tarefa diária.
Por que a perda de peso é tão grave para o paciente oncológico?
Porque a perda de peso pode ser traduzida em perda de massa muscular. E o músculo é fundamental para o organismo reagir melhor ao tratamento. Desnutrido, sem massa muscular, o paciente vai ter mais sintomas de impacto nutricional, mais dificuldade de cicatrização, maior risco de complicações. Por essa razão temos uma estratégia nutricional que também faz proteção do músculo, diminuindo processos inflamatórios. Para isso, fornecemos os nutrientes esperados pelo corpo e pedimos que o paciente faça, dentro de seus limites, exercício físico. A única forma de conseguir preservar ou ganhar músculo é por meio da combinação de dieta e exercício. físico. Por essa razão, é importante ter o acompanhamento da nutricionista desde o início. As vezes chegam casos muito graves de desnutrição para fazer a gastrostomia. Isso não resolve porque a caquexia do câncer (perda do tecido adiposo e músculo ósseo) tem fases: pré-caquexia, caquexia e caquexia refratária. Na pré-caquexia e caquexia, o paciente tem perda de peso, mas com uma intervenção nutricional conseguimos reverter o quadro. Já na caquexia refratária, a nutrição não resolve mais porque ele já não tem massa muscular e está em desnutrição total.
E depois que o paciente tem alta, precisa de acompanhamento da nutricionista, como acontece com o oncologista?
Cerca de 90% dos pacientes de câncer de cabeça e pescoço tem sequelas nutricionais depois do tratamento e precisam de acompanhamento, apontam estudos da nutricionista canadense Sylvia L. Crowder. São sequelas, como dor na boca, disfagia, dificuldade para abrir a boca. Assim, muitas vezes, precisamos adaptar a dieta e monitorar. Tenho um paciente, por exemplo, que está curado do câncer de base de língua há 15 anos. No entanto, ficou com uma sequela neuronal da radioterapia e broncoaspira os alimentos para o pulmão. Portanto, ele ficou com uma disfagia que o impede de comer por via oral e fez uma gastrostomia definitiva. Mas há outros casos de disfagia em que a reabilitação é possível com exercícios de fonoaudiologia e acompanhamento nutricional, com introdução gradativa de alimentos.
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