Com o crescimento do uso e das discussões sobre inteligência artificial nos últimos anos, aumentaram as expectativas sobre a utilização dela em diversos meios. No tratamento oncológico não é diferente.

Por se tratar de uma tecnologia que promete revolucionar processos, como a IA pode ajudar e otimizar com mais eficiência o combate ao câncer?
Se existe pretensões da sua melhor utilização, é importante destacar um ponto: a IA não se trata de algo recente. "Teve um boom da ampla utilização e acabou recebendo uma atenção maior do público, inclusive das empresas, em 2023, com a Open AI, que liberou o ChatGPT. Mas a IA na medicina é utilizada há muito tempo", explica o médico radioncologista Dr. Gerson Yoshinari, professor da Faculdade de Medicina de Itajubá, Co-fundador da Luminai Solutions e membro do departamento de Inteligência Artificial da Cátedra Internacional de Bioética.
Se voltar aos registros históricos, o termo “inteligência artificial” já foi mencionado no meio do século passado, nos anos 1950, por especialistas e pesquisadores que acompanhavam a criação da primeira geração de computadores. O conceito da inteligência artificial, de "pensar" conforme um ser humano para executar as tarefas, pode ser notado no Teste de Turing, experimento criado por Alan Turing e conhecido pelo nome "Jogo da Imitação" - inclusive o nome de um filme de 2014 que conta sobre essa criação.
No entanto, com a massificação da IA no uso pessoal nos últimos anos, entender o funcionamento dessa tecnologia pode ser fundamental para o trabalho no dia a dia.
Para explicar melhor o contexto da inteligência artificial, entrevistamos o Dr. Gerson Yoshinari, que garante: “Hoje, saber utilizar a IA pode ser um diferencial para os médicos, mas daqui um ano vai ser um pré-requisito”. Confira:
GBCP: Como está o uso da IA na medicina e na oncologia? Quais os impactos que ela traz e poderá trazer?
Dr. Gerson Yoshinari: A IA na medicina como um todo já é utilizada há um bom tempo, de forma muito especifica e focada para os que detêm a tecnologia. Por exemplo, já não é de agora que nós temos sistemas computacionais de identificação, de diagnóstico por imagem, patológico e de análises clínicas.
O que aconteceu nos últimos anos foi uma massificação. Agora não utilizamos a IA apenas em situações muito específicas ou de um determinado nicho, mas é possível aplicar essa inteligência artificial para o usuário final, como o médico ou um profissional de saúde, conseguir otimizar os seus processos. Um exemplo é a parte de gestão de tempo da Oncologia. Porque essa área tem especificidades próprias, que fazem com que a demanda administrativa seja muito alta.
Em todos os processos que o médico perceber que a IA pode ser utilizada, ele tem a liberdade de usá-la. Isso pode se traduzir em benefício, pois com diagnósticos mais rápidos e maior assertividade no tratamento, o médico consegue otimizar os recursos e tratar mais pacientes de forma eficaz.
Portanto, a IA vem na esteira de otimização de processos. Fazer a mesma coisa que já fazemos, mas de maneira mais rápida e eficiente. Médico que laudava o exame em uma hora, com a IA pode fazer isso em um minuto. Não precisará mais perder tempo, por exemplo, com digitação e outros trabalhos braçais, pois a IA fará de forma mais eficaz. Outro ponto imporante é que estamos chegando ao momento da disrupção da inteligência artificial, com indícios de que poderemos fazer coisas novas e de uma forma diferente. Por exemplo, a IA consegue analisar vastos bancos de dados, que antigamente não tinhamos capacidade de utilizar, e poderá sugerir diagnósticos que não conhecíamos. Não só diagnósticos de forma mais rápida, mas novos diagnósticos.
A IA pode ser utilizada também para outros aspectos, como em estudos para novos tratamentos, como quimioterápicos?
Dr. Gerson Yoshinari: Do ponto de vista de produção de medicamentos, a IA consegue acelerar esse processo de desenvolvimento de novos medicamentos, de 10 anos para desenvolver em 2 ou 3 anos. Então, imagina a quantidade de pessoas que vão ser impactadas pelo aumento da velocidade desses processos.
Estamos na iminência da IA se tornar uma tecnologia disruptiva, não em fazer o que já fazíamos de forma mais rápida, mas em fazer coisas novas. Isso vai se traduzir em mudanças na forma que praticamos a medicina e oncologia, mas também traz questões éticas muito relevantes.
No caso específico do câncer de cabeça e pescoço, ainda não há novidades que a IA trouxe exclusivamente para a área, mas assim que tivermos uma consolidação de novos usos dessa tecnologia, certamente essa especialidade se beneficiará também.
Como lidar com o risco de falsos negativos ou falsos positivos feitos pela IA? Qual a importância do médico na avaliação clínica dos pacientes?
Dr. Gerson Yoshinari: Esse risco existe e vai existir em qualquer processo diagnóstico, seja com IA ou não, mas ela tem um quê a mais e bastante desafiador: a capacidade enorme de te enganar. Isso falando desses modelos de linguagem que cresceram nos últimos anos. A inteligência artificial não se resume a eles, mas o que a colocou no holofote são eles.
Os modelos de linguagem têm uma capacidade muito grande de justificar o próprio erro. Por isso é fundamental a participação do médico.
Jensen Huang, CEO da Nvidia, comentou que a IA não vai roubar o emprego das pessoas, porque a presença do profissional ainda será necessária, mas poderá dispensar quem não sabe sobre IA. A IA é uma ferramenta e não podemos atribuir a culpa ao martelo se deu algum problema na construção da casa. A responsabilidade continua do usuário. O médico segue com papel central, se não o de produzir, mas de verificar as informações dessas IA de modelos de linguagem.
Qual vai ser a importância do médico e do profissional de saúde com o crescimento da IA na oncologia?
Dr. Gerson Yoshinari: Muitos me perguntam se vai diminuir a importância do especialista. Penso que é justamente o contrário: é o especialista que vai conseguir detectar esses erros, chamado de "alucinações". Aumenta-se a responsabilidade e o papel de protagonismo dos médicos que sabem utilizar a IA.
Um artigo recentemente divulgado no The New York Times, “Large Language Model Influence on Diagnostic Reasoning”, publicado no JAMA Network Open, comparou dois grupos de médicos: um com acesso ao ChatGPT, além de recursos diagnósticos convencionais (como UpToDate ou Google); e outro com apenas os recursos convencionais. O resultado surpreendente foi que não houve diferença significativa no desempenho diagnóstico entre médicos que usaram ChatGPT e os que não usaram. Entretanto, quando o ChatGPT foi analisado “sozinho” (isto é, sem interferência humana), obteve pontuações superiores às dos dois grupos de médicos. Isso sugere que, embora o modelo tenha potencial para auxiliar no raciocínio clínico, apenas disponibilizá-los aos profissionais – sem uma integração adequada ao fluxo de trabalho e sem treinamento específico – não melhora, na prática, a acurácia diagnóstica.
Por isso, hoje em dia saber utilizar a IA pode ser um diferencial para os médicos, mas
daqui há um ano vai ser um pré-requisito.
Qual o recado para o médico oncologista sobre a IA?
Dr. Gerson Yoshinari: O médico oncologista é um profissional diferenciado, que quer estar na vanguarda da oncologia de cabeça e pescoço. Capacitar-se na utilização da IA vai trazer um diferencial muito grande para ele, na pesquisa e na prática clínica.
Quando Steve Jobs divulgou os smartphones, ninguém sabia que precisava. Hoje todo mundo tem. Por isso, a mensagem que deixo para os colegas: procurem se informar sobre a IA.
Usar ou não, é a decisão individual de cada um. Mas ignorar a existência, eu considero perigoso. Quebre essa inércia e procure conhecer e ver como funciona. Teste se isso pode ajudar no seu dia a dia.
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