Nem todo câncer de tireoide vai precisar de cirurgia imediata
- gbcpcomunicacao
- 26 de mai.
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A cirurgia continua a ser o principal pilar do tratamento do câncer de tireoide. No entanto, há casos selecionados em que o paciente pode se beneficiar da vigilância ativa ou de procedimentos menos invasivos, que preservam a glândula. São possibilidades para um menor grupo de pacientes, mas que podem ser consideradas pelo cirurgião de cabeça e pescoço

A cirurgia é o principal pilar do tratamento do câncer de tireoide. A maioria dos casos de câncer de tireoide necessita de tratamento cirúrgico e em casos com doença mais avançada, o tratamento é complementado com radioiodoterapia e com a terapia de supressão do hormônio TSH. Embora o câncer de tireoide tenha excelente prognóstico na maioria dos casos, a operação de remoção da glândula é delicada e traz imensos riscos potenciais, por isso deve ser realizada por profissional com experiência na técnica. Entretanto, existem casos selecionados em que a doença pode não ser tratada com cirurgia. As informações são do Dr. Gustavo Meyer de Moraes, médico cirurgião de cabeça e pescoço, mestre em cirurgia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo o cirurgião, em alguns tumores iniciais, a doença pode ser manejada com vigilância ativa – acompanhamento ultrassonográfico periódico, sem necessidade de cirurgia, se não houver progressão – ou, ainda, pode ser tratada com procedimentos minimamente invasivos, como a ablação por radiofrequência, que preservam a glândula funcionante, sem necessidade de reposição do hormônio tireoidiano. A seleção adequada do melhor tratamento para cada paciente depende de abordagem multidisciplinar com radiologista, endocrinologista e cirurgião de cabeça e pescoço.
O que é a tireoide e qual sua importância?
“Se nosso organismo fosse uma orquestra, os hormônios da tireoide ocupariam o lugar do maestro”. Essa interessante analogia é feita para explicar a importância da glândula tireoide pelo Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica e da Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da UFMG, o médico endocrinologista Dr. Gustavo C. Penna.
A analogia faz todo sentido. Afinal, essa pequena glândula em formato de borboleta, localizada na parte anterior do pescoço, produz hormônios que atuam em órgãos vitais, como coração, cérebro, fígado e rins. Além disso, estão relacionados a nosso crescimento e desenvolvimento, na regulação dos ciclos menstruais, na fertilidade, no peso, na memória, na concentração, no humor e no controle emocional.
Em linhas gerais, pode-se dividir as doenças que acometem a tireoide em dois grandes grupos: as disfunções da tireoide e os nódulos de tireoide. “As doenças funcionais em razão, por exemplo, de uma produção desregulada para mais ou para menos dos hormônios da tireoide, prejudicam funções e, portanto, apresentam sintomas. Os nódulos, por sua vez, independentemente de serem ou não um câncer, na maioria das vezes, com raríssimas exceções, são assintomáticos”, explica Dr. Gustavo C. Penna.
Planejar bem o tratamento para o câncer de tireoide é fundamental
A cirurgia é o principal pilar do tratamento para câncer de tireoide e a maioria dos casos será tratada com esse procedimento, reforça Dr. Gustavo Meyer de Moraes. Ele destaca que é fundamental avaliar o paciente de maneira individualizada e recomendar o manejo mais adequado para seu quadro de saúde.
O tratamento do câncer de tireoide deve ser individualizado, de acordo com as características da doença e de cada paciente. “Importante dizer que nem toda cirurgia de tireoide é igual. Há casos em que precisamos remover apenas parte da glândula e outros em que é preciso realizar a remoção completa. Em outras situações, também será preciso remover os linfonodos do pescoço. Além disso, há pacientes que ainda vão precisar de tratamento de radioiodoterapia”, explica.
No entanto, alerta o cirurgião, não é todo paciente com nódulos na tireoide que precisará ser submetido a uma cirurgia. A avaliação deve ser criteriosa. E vai mais adiante: “na maioria dos nódulos detectados ao exame clínico de palpação e/ou à ultrassonografia, a doença é benigna. Além disso, há aqueles que mesmo suspeitos ou confirmados como câncer por meio de biópsia, não têm indicação cirúrgica imediata”.
Quando a vigilância ativa é possível
As evidências científicas mostram que há grupos selecionados de pacientes que podem se beneficiar dessa modalidade de abordagem. “Algumas vezes, em casos específicos, a melhor opção pode ser manter o paciente em vigilância ativa, com exames de ultrassonografia realizados por radiologistas com ampla experiência em câncer de tireoide, a cada seis meses ou a cada ano. Isso pode ser considerado para tumores que, apesar de malignos, têm tamanho inferior a 1 cm, apresentam crescimento lento, sem características de agressividade e estão localizados longe dos limites do contorno da tireoide e das estruturas nobres que ficam ao redor da glândula, e especialmente em pacientes mais idosos. Ou seja, o manejo é individualizado”, afirma
Dr. Gustavo Meyer de Moraes.
Além disso, complementa Dr. Gustavo C. Penna, também é importante observar outras questões, como a possibilidade de acesso do paciente às consultas de acompanhamento e a realização de exames de ultrassonografia de qualidade em clínicas de excelência, com radiologistas experientes em câncer de tireoide. “Às vezes também nos deparamos com situações em que o paciente não consegue lidar emocionalmente com o fato de que tem um câncer na tireoide e insiste no tratamento cirúrgico”, diz.
Ciência não recomenda rastreamento para câncer de tireoide na população assintomática
Os dois especialistas – Dr. Gustavo C. Penna e Dr. Gustavo Meyer de Moraes – concordam que o cenário atual do câncer de tireoide é de sobrediagnóstico (também conhecido pelo termo em inglês overdiagnosis), contexto em que caso a doença não tivesse sido diagnosticada, não teria causado qualquer prejuízo ao paciente em termos de sintomas ou risco de morte. Por esse motivo não se preconiza a realização de ultrassonografia como exame de rotina com objetivo de rastrear o câncer de tireoide em pessoas assintomáticas. Por outro lado, existem casos de câncer de tireoide mais agressivo, que demanda tratamento sem perda de tempo. O melhor método para diferenciar as duas situações é a adequada avaliação clínica especializada.
De acordo com o Dr. Gustavo C. Penna, antes da decisão de indicar a ultrassonografia, é essencial uma consulta com médico endocrinologista que vai, além de levantar o histórico de saúde do paciente, fazer o exame físico em que palpa a região do pescoço em busca de eventuais nódulos. “A indicação de exame de ultrassonografia de tireoide é adequada a pacientes com nódulos palpáveis ou histórico de câncer de tireoide na família ou sintomas como rouquidão persistente sem causa aparente”, informa. Mesmo assim, a prática acabou sendo adotada por médicos de diversas especialidades.
Outro prejuízo do uso da ultrassonografia como método de rastreio de câncer de tireoide em pacientes assintomáticos é que esse procedimento, muitas vezes, é realizado em clínicas ou laboratórios em que o médico radiologista não necessariamente apresenta experiência robusta em ultrassom de tireoide. Com isso, aumenta-se a possibilidade de estratificação de risco de malignidade equivocada. Isso pode acabar culminando em indicações inadequadas de punção-biópsia aspirativa com agulha fina.
“Nesse caso, há uma chance razoável da biópsia de um nódulo benigno que não precisaria de investigação acabar apresentando resultado indeterminado e, diante disso, o paciente ser encaminhado para uma cirurgia que seria desnecessária”, afirma o Dr. Gustavo Meyer de Moraes. Nesse contexto, o cirurgião informa que existem hoje testes moleculares já validados pela literatura científica, que são realizados no material coletado na punção-biópsia, e permitem melhor acurácia na determinação do risco de malignidade.
Como evitar tratamentos equivocados?
O primeiro passo ao descobrir um nódulo na tireoide em um exame de ultrassonografia é procurar um médico endocrinologista, especialista capacitado a interpretar esse exame. Caso o endocrinologista ache necessário, vai encaminhar o paciente para realizar uma segunda ultrassonografia em um serviço de excelência com experiência em câncer de tireoide, para adequada estratificação de risco e determinação da indicação de punção-biópsia.
A maioria dos pacientes de câncer de tireoide continua precisando de tratamento com cirurgia, como já foi dito. Há casos muito selecionados de doença inicial, entretanto, que podem se beneficiar, além da vigilância ativa, de tratamento com um método minimamente invasivo, denominado ablação por radiofrequência, em que o médico introduz uma agulha/eletrodo que, guiado por ultrassonografia, alcança o interior do tumor e aplica temperaturas elevadas. Com isso, se destroi o nódulo e uma margem de segurança no entorno, tratando a doença sem necessidade de cirurgia, preservando a tireoide e suas funções. Isso evita que o paciente tenha que repor pelo resto da vida, por meio de medicamentos, os hormônios produzidos pela glândula.
É importante, para a segurança do paciente com câncer de tireoide, não prescindir de ser tratado por profissional especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. A tireoide é um órgão com muitas estruturas nobres vizinhas, como nervos importantes que comandam o movimento das pregas vocais, e as glândulas paratireoides, que controlam o nível de cálcio no nosso sangue. Uma cirurgia realizada por um cirurgião não especializado tem risco de resultar em sequelas irreversíveis.
Doença com bom prognóstico
O câncer de tireoide é uma doença com incidência em crescimento, de bom prognóstico, que quando manejada adequadamente por profissionais capacitados, permite que o paciente tenha excelente resultado oncológico com preservação da qualidade de vida.