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O desafio do controle da dor em pacientes com câncer de cabeça e pescoço

  • Foto do escritor: gbcpcomunicacao
    gbcpcomunicacao
  • 23 de jun.
  • 6 min de leitura

Na entrevista com o médico especialista em dor Dr. Olympio Chacon Neto, uma análise  sobre a natureza da dor no câncer, seus desafios no diagnóstico e tratamento, e a importância de uma abordagem integrada e precoce para aliviar o sofrimento dos pacientes.

 

Dr. Olympio Chacon Neto

O que é dor?


Denominamos dor como qualquer sensação desconfortável que o paciente pode ter relacionada a uma lesão. A dor é subjetiva, ou seja, pessoas diferentes têm tolerâncias diferentes à dor, influenciadas por fatores culturais, emocionais e experiências pessoais. Por exemplo, algumas populações asiáticas demonstram mais resistência à dor do que populações latinas, que tendem a ser mais emotivas. O aspecto emocional interfere bastante na percepção da dor, pois ela é uma interpretação do cérebro. No caso do paciente com câncer, precisamos lembrar que ele já está abalado pelo diagnóstico e vai passar por um processo de tratamento que é desgastante fisicamente e emocionalmente.


Está preocupado, por exemplo, com suas perspectiva de cura. A percepção de dor é processada pelo cérebro na mesma área em que processamos o humor. Portanto, um paciente deprimido ou ansioso vai sentir mais dor do que um que esteja equilibrado emocionalmente.

 

Como acontece a dor nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço?


Em mais da metade dos pacientes acometidos por câncer de cabeça e pescoço, a dor pode estar presente como sintoma inicial da doença. Pode ser uma dor localizada relacionada ao lugar onde se desenvolveu o tumor, como lábio, língua, cavidade oral.  Além da dor com origem na doença, os procedimentos relativos ao tratamento, como a cirurgia, a quimioterapia, a radioterapia, também podem ter esse efeito colateral.


Classificamos a dor no câncer como mista, composta de duas categorias principalmente: nociceptiva, que ocorre por lesão de partes estruturais do corpo, como invasão óssea ou inflamação; e a dor neuropática, que resulta de lesão do sistema nervoso, muitas vezes por invasão tumoral ou procedimento cirúrgico. A dor nociceptiva é mais comum, mas a neuropática é mais difícil de tratar e tende a se tornar crônica.

 

Quando uma dor é considerada crônica?


Em geral, uma dor que persiste por mais de três meses é considerada crônica. Após esse período, a dor deixa de ser um sintoma de alarme, um sinal de alerta, para ser uma doença. Portanto, é muito importante tratar adequadamente desde o início a dor apresentada pelo paciente com câncer de cabeça e pescoço e demais doenças oncológicas. Infelizmente, em muitos casos isso não acontece. A maioria dos pacientes é encaminhada para o especialista em dor com o quadro já grave.

 

Por que isso acontece?


Ainda temos falha na avaliação e tratamento da dor. Lembro que ainda existe no Brasil certa opiofobia, que é o medo de usar opioide. As pessoas acham que vão ficar dependentes da medicação. De fato, a dependência vai acontecer em todos os pacientes que fazem uso de opioide por tempo prolongado. No entanto, dependência é diferente de vício.


O paciente é dependente da medicação que está fazendo uso porque seu organismo naquele momento precisa ser tratado com a substância. Depois, seguindo as recomendações médicas, ele deixa de usar e não será mais dependente. Já o vício encerra questões psicológicas em que a pessoa não sente dor, portanto não precisa da medicação, mas procura a substância por questões emocionais, como angustia, dificuldade para dormir, ansiedade, entre outras.

 

Em que momento, o médico oncologista deve encaminhar seu paciente para um especialista em dor?


Idealmente, quando ele percebe que não consegue mais controlar a dor de seu paciente com analgésicos simples e necessita usar opioides. A partir desse momento, é interessante encaminhar para o especialista em dor. Tratamento precoce e efetivo e dor controlada são iguais à redução de dor crônica e melhores desfechos para o paciente. Portanto, é muito importante encaminhar o paciente oncológico para o especialista em dor e equipe multidisciplinar, como para o fisioterapeuta, porque os pacientes precisam se movimentar.


Outro aspecto importante para o controle da dor é ter um paciente orientado pela nutricionista. Precisamos que ele esteja bem nutrido para que responda bem à medicação que controla a dor.

 

E como é o manejo do paciente com câncer de cabeça e pescoço com dor descontrolada?


Primeiramente é importante destacar que o tratamento é individualizado, de acordo com o paciente e outros fatores inerentes ao tipo e localização do câncer. A Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe uma escada de tratamento de acordo com sua intensidade, leve, moderada e forte.  A partir dessa classificação, podemos tratar a dor com analgésico simples e anti-inflamatório, acompanhados ou não de doses de opioide.


Além disso, temos outras medicações, que chamamos de adjuvantes, que podem ser, principalmente, os antidepressivos que administrados em doses baixas atuam na inibição da dor, e os anticonvulsionantes, que retardam a condução nervosa, funcionando como moduladores da dor.

 

O tratamento da dor é exclusivamente medicamentoso?


Atualmente, também temos procedimentos minimamente invasivos para tratamento da dor. Entre eles, bloqueios, que consistem na aplicação direta de medicamentos em nervos ou tecidos que estão transmitindo sinais de dor para o cérebro;  a neurólise, um procedimento realizado para inibir a condução nervosa por tempo prolongado; e infusões com administração venosa de medicamentos que diminuem a sensibilização do cérebro em relação à dor. Apesar de serem realizados há décadas, ainda não temos uma resposta ótima para qual o momento ideal de sua utilização – fase mais precoce ou mais adiantada do quadro de dor?


No caso de câncer de cabeça e pescoço, que pode acometer certas regiões da face, com tumores que crescem rápido,  podemos perder o plano em que a agulha deve ser inserida.  Por exemplo, em um bloqueio do trigêmeo, em que a agulha é inserida na face do paciente para chegar à base do crânio, pode não ser possível fazer a intervenção por causa do tamanho do tumor e do risco de levar células tumorais para o sistema nervoso central. Será que nesse caso, a intervenção deveria ser mais precoce, o que evitaria o paciente tomar muita medicação e lidar com os efeitos colaterais? São perguntas para as quais não temos consenso ainda, mas já observamos melhores resultados quando realizados precocemente.

 

Quais são os possíveis efeitos colaterais das medicações?


O uso longo de opioides pode alterar o humor do paciente, aumentando o risco de depressão, a produção de hormônios sexuais, náuseas, chances de quedas, confusão, delirium. Isso aumenta a fragilidade do paciente oncológico. Além disso, os opioides também mexem com o microbioma intestinal, causando constipação e proliferação de bactérias e inflamação nessa região.


Por essas razões, há grupos que tendem a investir mais em intervenções em dor em detrimento da utilização de medicamentos a longo prazo. No entanto, grande parte dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço chegam ao oncologista já no estágio avançado da doença e com dor intensa. Dessa forma, as possibilidades para um plano de intervenção, com inserção de agulhas, ficam bem reduzidas.

 

No caso do paciente com câncer de cabeça e pescoço, quais são as especialidades com  as quais o especialista em dor mais interage?


De imediato  com o oncologista ou com o cirurgião de cabeça e pescoço, porque somos uma especialidade consultiva. Ou seja, se o paciente está internado ou vai passar por consulta no ambulatório, ele só vai chegar a mim se for encaminhado pelo oncologista ou pelo cirurgião. Nesse caso, terá o acompanhamento conjunto até que a dor seja controlada.


O acompanhamento pode seguir mais próximo ou a distância, a depender do controle da dor e estágio de tratamento. Pode ser necessário aumentar a medicação, por exemplo, em função de uma cirurgia, ou tirar a medicação em um período de dor menos intensa.  No caso de pacientes internados também interagimos muito com  a enfermagem e equipe multi.

 

Como é a  primeira consulta do especialista em dor para o paciente com câncer de cabeça e pescoço?


É muito importante ouvir o paciente e perguntar detalhes. É preciso entender a localização, o trajeto, a temporalidade da dor. Se é uma dor que irradia,  fura,  dá choque, lateja ou queima. Também se a dor é constante ou se piora em determinado horário.


Todos esses descritores são importantes para definir a estratégia de tratamento. Dores que pioram no período noturno, por exemplo, costumam ter uma característica mais inflamatória ou neuropática. Por outro lado, sabemos que a maioria das dores pioram à noite, porque  o paciente tem mais autopercepção nesse período. Depois, é preciso fazer o exame físico, especialmente importante para o paciente de câncer de cabeça e pescoço, que, em geral,  apresenta acometimento musculoesquelético grande.


Além disso,  olhamos os exames de imagem que foram solicitados pelo oncologista ou pelo cirurgião, que o paciente deve trazer para a consulta. Nesses exames, é possível observar o tamanho do tumor, o que tem de invasão, se há  necrose, quadro de metástase óssea, entre outros aspectos.

 

Qual é a formação de um especialista em dor?


A dor é uma área de atuação que surgiu no mundo a partir da Anestesiologia com foco no manejo da dor aguda no pós-operatório. A área foi crescendo e, atualmente, podem se especializar em dor, além do anestesista, o acupunturista, o ortopedista, o neuroclínico, o neurocirurgião, o reumatologista, o fisiatra, o clínico e o pediatra.

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