Entre os desafios dos cuidados com a saúde mental do paciente com câncer de cabeça e pescoço, a psicóloga Christiane destaca o tabagismo, porque a maioria são fumantes e precisam de auxilio para se livrar de dependência do cigarro/nicotina durante o tratamento.
Sobre o tema, conversamos com a psicóloga Christiane Mayena Salgado Bicalho, da Clínica DOM Oncologia, em Divinópolis (MG). Entre os desafios dos cuidados emocionais do paciente com câncer de cabeça e pescoço, a psicóloga Christiane destaca o tabagismo, porque a maioria são fumantes e precisam de auxilio para se livrar de dependência do cigarro/nicotina durante o tratamento. Outra questão crítica é como ficará o rosto depois da cirurgia. O paciente lida com a sensação de mutilação, a preocupação de como o outro passará a vê-lo e como ele próprio vai lidar com sua autoimagem.
Confira a entrevista.
Na equipe multidisciplinar que cuida do paciente com câncer de cabeça e pescoço, qual é o papel do psicólogo?
Atuamos na assistência dos pacientes, em pesquisa com foco em educação e na organização do processo de trabalho da equipe multidisciplinar. É uma atuação tripla e abrangente, todas tem muito valor e o objetivo final é levar o melhor para o paciente, mas, sem dúvida a assistência por contemplar um relacionamento direto com o paciente e sua família é a mais importante.
Então, como acontece a atuação do psicólogo na assistência?
Nossa proposta é acolher o paciente e a família nesse momento tão sensível do diagnóstico e tratamento de um câncer de cabeça e pescoço. É uma fase de muitas mudanças que podem ser no aspecto físico, com sequelas da cirurgia, e muitas vezes sociais. Por exemplo, há casos em que o paciente é o provedor da família e acaba tendo que desocupar esse lugar em função da doença ou ele pode ter ocupado ao longo da vida o papel de cuidador das pessoas e agora, pela primeira vez, terá que ser cuidado. Nesses cenários, o psicólogo auxilia o paciente na reformulação de papeis para o paciente compreender e lidar melhor com todo o processo.
Em que momento da jornada do paciente com câncer de cabeça e pescoço entra o trabalho do psicólogo?
O ideal seria que o paciente iniciasse o trabalho terapêutico com o psicólogo em um momento bem precoce, já durante a suspeita da doença em que há uma investigação para fechar o diagnóstico. Esse é um momento muito angustiante. No entanto, é raro isso acontecer. Às vezes recebemos pacientes já com o diagnóstico de câncer, mas ainda na fase de definição de tratamento. Há pacientes que são encaminhados quando começam a quimioterapia ou às vésperas da cirurgia ou pós-cirurgia. Há, inclusive, os que buscam o psicólogo somente no pós-tratamento, depois de ter feito a última quimioterapia. Em geral, esse paciente é aquele que enfrenta e coloca todo o foco no tratamento e, depois que termina, ele dá espaço para o emocional e percebe que precisa de ajuda nessa área.
Que tipo de comportamentos do paciente e da família são mais comuns durante o tratamento?
Cada caso é um caso e não podemos generalizar. Mas há situações em que o paciente pode se tornar hostil diante de novos sintomas que aparecem. Isso pode acontecer com a família e até com o médico e os profissionais da equipe multidisciplinar. Mas esse comportamento não é pessoal e pode estar relacionado a um processo de aceitação da doença que não é fácil. Nessa situação o psicólogo trabalha no acolhimento e na compreensão dos sintomas. E enquanto trabalhamos com o paciente, também é nosso papel conversar com a família e com os colegas da equipe multidisciplinar para que essa compreensão e acolhimento também aconteçam nessas esferas. As mudanças de comportamento do paciente também pode ir para um caminho diferente da hostilidade. Ele pode ficar mais calado, com tendência a se isolar. Mas seja a hostilidade, o silêncio ou qualquer outro comportamento, todos são formas de expressão. Com esses pacientes, o psicólogo é o profissional que auxilia no desenvolvimento de recursos internos para que a pessoa possa lidar melhor com as adversidades do tratamento.
E qual a orientação que você daria às famílias desses pacientes?
É importante manter o equilíbrio entre o cuidado e o espaço que o paciente tem direito de ter para vivenciar seu processo. É preciso manter a escuta e, dessa forma, o paciente não se sentirá sozinho. E a comunicação desse paciente nem sempre acontece por meio da fala. Há momentos em que ele vai querer falar e outros em que ficará em silêncio. Então é preciso observá-lo mais com um olhar de pai, mãe, irmão, amigo. Digo isso porque a família não deve olhar para a doença, esse é o papel do médico, mas para a pessoa que precisa ser acolhida. A comunicação e o elo entre as pessoas queridas devem ser fortalecidos ainda mais. É preciso evitar situações como a de um paciente que atendi e que fui informada pela minha secretaria, pouco antes dele entrar em minha sala, que a família havia pedido para dizer que ele não sabia que estava com câncer. Não é meu papel dar o diagnóstico, mas ouvir o paciente. Pedi para que ele entrasse e ao sentar, a primeira coisa que ele me disse foi: “eu sei que tenho câncer”. Ou seja, ambos, família e paciente tentando poupar um ao outro em um momento em que o melhor é a verdade e o acolhimento.
Como psicóloga, qual seu maior desafio nos cuidados com o paciente com câncer de cabeça e pescoço?
Acho que temos dois grandes desafios. O primeiro é que a maioria dos pacientes de câncer de cabeça e pescoço são tabagistas e ter que parar de fumar é um sofrimento muito grande. Ele se sente muito pressionado a parar por se conscientizar dos riscos que isso representa e ainda tem que lidar com pressões externas, de família e amigos. A pressão externa dificulta ainda mais o paciente parar de fumar porque o tabagismo tem múltiplas dependências, a química, proveniente da nicotina, e a comportamental e emocional. Para alguém que é tabagista há mais de 20 anos, por exemplo, deixar de fumar causa um sentimento equivalente ao luto. Então a atuação do psicólogo nessa questão inclui o paciente e a família. Além disso, podemos ter a parceria do médico, com indicação de medicamentos ou uso de adesivos de nicotina e da nutricionista com indicação de alimentos que ajudam no processo. A outra questão crítica desse paciente e como ficará seu rosto depois da cirurgia. Existe a sensação de mutilação, a preocupação de como o outro passará a vê-lo e como ele próprio vai lidar com sua autoimagem. O paciente precisa passar por um processo de reorganização mental e de aceitação de sua nova imagem diante do espelho
Em sua opinião, em termos de formação, o que é importante para o psicólogo que vai atuar na área de oncologia?
Embora o Conselho Federal de Psicologia não exija uma formação especial para a área, acho que, na prática, isso é muito importante. Eu, por exemplo, fiz especialização em Psicologia Hospitalar, pós-graduação em Oncologia Multiprofissional, além de capacitações e estágios em Oncologia. Apesar de ao longo do tratamento do paciente oncológico, a exemplo do que acontece com pacientes em geral, tratarmos de questões subjetivas do ser humano, existem especificidades. É importante saber como funciona uma quimioterapia ou uma radioterapia, por exemplo. Muitas vezes o paciente chega ao consultório ansioso com dúvidas sobre esses tratamentos. Saber falar a língua da oncologia nos auxilia muito a solucionar dúvidas e contribuir para baixar a angustia do paciente. O conhecimento em oncologia também nos permite estar mais perto e compreender melhor pelo que o paciente está passando. Apesar das pessoas, em relação ao passado, chegarem mais informadas no consultório, ainda há muito estigma em relação ao câncer e a sensação de que representa uma sentença de morte ainda não está totalmente descontruída, mesmo com os avanços da medicina nessa área. Além disso, as informações que os pacientes pesquisam na internet nem sempre são de qualidade e mesmo quando são corretas, eles precisam entender que são dados gerais que nunca vão se encaixar em seu caso específico porque cada paciente é único.
Como é a atuação da psicóloga nos outros dois pilares, pesquisa com foco em educação e organização da equipe?
Quando falo em pesquisa com foco em educação, penso que a psicologia tem um papel muito importante em ações de psicoeducação voltadas para à população, principalmente relacionada à prevenção do câncer. Um tema fundamental em câncer de cabeça e pescoço é o tabagismo. Já participei de ações de conscientização em escolas e outros espaços. Dentro da equipe multidisciplinar, por sua vez, atuamos no processo de organização da equipe, orientando os profissionais sobre questões emocionais dos pacientes e no fortalecimento do elo - paciente, família, equipe multidisciplinar.
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