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Da lâmina ao tumor board: como a patologia revolucionou o tratamento do câncer

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    gbcpcomunicacao
  • há 11 minutos
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A patologia oncológica abandonou a imagem do especialista isolado em laboratório para assumir um papel cada vez mais protagonista no cuidado multidisciplinar do paciente com câncer.


Dra. Beatriz Fuga

 

Com o advento de tecnologias, como imuno-histoquímica avançada, técnicas moleculares, patologia digital e inteligência artificial, o patologista tornou-se um verdadeiro integrador de informações, capaz de estratificar riscos, prever respostas terapêuticas e guiar tratamentos personalizados – uma evolução particularmente relevante no manejo dos cânceres de cabeça e pescoço, uma doença complexa, em que a análise detalhada de subtipos tumorais e biomarcadores permite abordagens terapêuticas distintas e personalizadas.


Sobre esses assuntos, confira a seguir a entrevista com a Dra. Beatriz Fuga, médica patologista titular do A.C.Camargo Cancer. 

 

 

O que é patologia e qual sua importância na oncologia?

Nossa especialidade estuda todas as alterações teciduais do corpo humano, sejam benignas ou malignas. No caso da patologia oncológica, estudamos os diferentes tipos de tumores de órgãos e sistemas. Para isso,  coletamos do organismo do paciente uma amostra de fragmento de tecido ou de líquido por meio de uma biópsia de agulha fina. Na sequência, o material passa pelo cuidado pré-analítico, que consiste em sua fixação em formol e a avaliação macroscópica, corte e coloração. Protocolos rigorosos na etapa pré-analítica garantem a qualidade da amostra. Esse controle rigoroso é necessário para preservar proteínas e material genético. Na análise sob microscópio, detectamos se realmente há doença. Em caso de câncer, classificamos qual é o tipo e subtipo do tumor, detalhando o máximo de informações. São dados que têm impacto no plano de tratamento do paciente e em sua trajetória oncológica.

 

E no caso específico do câncer de cabeça e pescoço?

Cada vez mais a patologia ocupa posição de protagonista no contexto da condução de pacientes com câncer em cabeça e pescoço. Desde a década de 1980, a patologia apresentou avanços científicos e tecnológicos significativos que tem nos ajudado a entender cada vez mais as nuances desses cânceres. Com isso, conseguimos analisar e estratificar cada caso, o que possibilita proporcionar tratamentos individualizados. É uma realidade diferente dos primórdios da patologia, quando contávamos puramente em achados morfológicos tradicionais. Hoje temos expertise em diversas técnicas complementares para compreender melhor o processo de doença.

 

O patologista trabalha isolado no laboratório?

Não, essa imagem já não existe mais. No passado, o patologista já foi um especialista com pouco contato  com os demais médicos, que simplesmente recebiam um laudo. Hoje, estamos contribuindo cada vez mais no tratamento do paciente, tendo uma voz mais ativa na condução dos casos e atuação na equipe multidisciplinar.

 

E como é a atuação do patologista na equipe multidisciplinar?

Nós interagimos com toda a equipe multidisciplinar. O patologista é um grande integrador de informações no momento da conclusão diagnóstica. Para fazer um laudo bem-feito, precisamos falar com o radiologista para entender como é aquela lesão. Cada vez mais, assim como ocorre com os tratamentos, as biópsias são menos invasivas, ou seja, não precisamos coletar uma amostra grande do paciente. Usamos amostras cada vez menores e conversamos com o radiologista para entender como aquela pequena parte está inserida no todo. Precisamos interagir com o médico assistente  que atendeu o paciente para saber exatamente qual é a localização daquele tumor. Para nosso laudo, milímetros fazem diferença. É o médico assistente que nos traz a necessidade terapêutica do paciente e, se for preciso, fazemos testes específicos para procurar, por exemplo, um medicamento adicional. Também é importante saber quais são os sintomas do paciente e como a lesão está evoluindo – Tem crescimento lento ou rápido? Está infiltrado em outras estruturas? O cirurgião, por sua vez, nos orienta não só sobre o que já foi feito como dos próximos procedimentos cirúrgicos do planejamento terapêutico.

 

O patologista participa do tumor board, reuniões multidisciplinares periódicas, uma prática em centros de referência em oncologia. O tumor board conta com a participação de  cirurgiões, oncologistas clínicos, radioterapeutas, patologistas, radiologistas, pesquisadores e outros especialistas para discutir a melhor conduta terapêutica para casos mais desafiadores.

 

O patologista pode atuar durante a cirurgia?

Sim, atuamos no centro cirúrgico fazendo a biópsia de congelação. Recebemos a peça cirúrgica e fazemos análise na mesma hora que ela é retirada. Usamos um aparelho chamado criostato para congelar o material da margem cirúrgica. Em seguida, fazemos uma lâmina e avaliamos imediatamente se a margem está livre de tumor. Isso permite guiar uma possível ampliação de margens na mesma cirurgia, evitando que o paciente precise passar por um segundo procedimento.

 

Como você avalia a evolução tecnológica da patologia?

A patologia conta com diferentes tecnologias voltadas para o diagnóstico, classificação, predição de prognóstico e de resposta terapêutica. A imuno-histoquímica, nosso principal teste do dia a dia, evoluiu muito  e hoje conseguimos estratificar riscos e prever respostas a tratamentos específicos. Por exemplo, tumores de orofaringe com HPV associado têm prognóstico muito melhor. Carcinomas de ductos salivares com receptor de andrógeno podem responder a hormonioterapia . As técnicas moleculares também estão cada vez mais presentes, ajudando a entender alterações genéticas e guiar terapias-alvo.

 

A patologia também se beneficia de técnicas digitais?

Sem dúvida. A patologia digital permite que a análise que fazemos através do microscópio, observando as lâminas com amostras, seja feita no computador, escaneando imagens. Isso possibilita patologia remota, que permite que eu esteja em São Paulo e veja o caso de um paciente de Manaus na tela do computador,  um importante benefício já que somos 0,9% dos médicos do Brasil e, ainda, concentrados nas capitais, especialmente, na região Sudeste.  Dessa forma, com a patologia digital, conseguimos levar os serviços do patologista para regiões carentes  da especialidade. Além de poder analisar um caso, de qualquer lugar, com um clique no computador, temos acesso a um banco de imagens digitais disponíveis para serem utilizadas em ensino e pesquisa. Outro avanço tecnológico são os recursos de Inteligência Artificial (IA).

  

Como a IA  impacta a patologia?

Vejo a IA como uma aliada que vai nos ajudar a refinar diagnósticos com melhor custo-benefício de tempo. Ela pode selecionar e priorizar em uma pilha de casos os suspeitos de malignidade, garantindo resultado mais rápido para quem tem câncer. Consegue automatizar análises minuciosas como contagem de núcleos e medidas de distância até margens. Há programas de IA em desenvolvimento que serão capazes de fazer predição de biomarcadores, ou seja, prever se o paciente vai ter ou não uma alteração molecular. Acredito que o patologista que incorporar a IA vai se diferenciar e quem souber integrar essas informações com habilidades sociais –  como participar de tumor boards e conhecer e interagir com a equipe multidisciplinar –  será quem realmente vai se destacar na profissão. Agora, o patologista que se colocar na posição de um técnico, que simplesmente olha a lâmina e elabora um resultado, esse profissional terá a IA como concorrente.

 

 

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