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Cuidados paliativos ganham espaço na oncologia

  • Foto do escritor: gbcpcomunicacao
    gbcpcomunicacao
  • 4 de ago.
  • 5 min de leitura

Dra. Julia Alvarenga Petrocchi, médica paliativista

Entre os desafios dos cuidados paliativos está o de quebrar o estigma de que a especialidade atua apenas quando se esgotaram as possibilidades de tratamento modificador. Ao contrário, os cuidados paliativos também podem contribuir ao longo de toda a trajetória de tratamento até o fim da vida.


Para entender melhor sobre o assunto, entrevistamos a médica paliativista, Dra. Julia Alvarenga Petrocchi, da equipe de Cuidados Paliativos do Grupo Oncoclínicas e do Instituto de Oncologia Ciências Médicas de Minas Gerais (IONCM-MG). Confira!


O que são cuidados paliativos?


Estamos em um momento em que o tema cuidados paliativos tem ganhado espaço, mas ainda há concepções equivocadas sobre o assunto. Em geral, as pessoas relacionam os cuidados paliativos somente a fim de vida, mas o conceito é muito mais amplo. Trata-se de uma abordagem multidisciplinar que busca melhorar a qualidade de vida de pacientes, assim como a de seus familiares e cuidadores, diante de doenças ameaçadoras da vida. O cuidado envolve prevenção e o alívio do sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação cuidadosa e tratamento adequado da dor e de outros sintomas.

 

Quais tipos de sintomas podem ser melhorados com a atuação do médico paliativista?


Estamos falando de sintomas físicos, psíquicos, emocionais, espirituais e também sociais que acompanham o processo de adoecimento, contemplando o paciente e a família que também sofre impactos da doença. Especificamente no paciente que sofre de um câncer de cabeça e pescoço, o cuidado paliativo contribui manejando, por exemplo, sintomas psíquicos como ansiedade e depressão; auxiliando na ressignificação de rotina e redução do isolamento social; ajudando no controle de dor, disfagia, dispneia, alterações nutricionais e da fala, dentre outros. Faz parte da atuação do especialista em cuidado, também, auxiliar na comunicação de notícias difíceis, na tomada de decisão compartilhada e na construção de consciência prognóstica e de um plano de cuidados que seja coerente com os valores daquele paciente.

 

E em que momento da jornada do paciente oncológico, e nesse contexto, os acometidos por câncer de cabeça e pescoço, entram os cuidados paliativos?


O ideal é que o médico paliativista esteja presente precocemente na jornada do paciente oncológico, ou seja, logo que haja o diagnóstico de uma doença que ameace a vida ou que traga sofrimento. No caso de câncer de cabeça e pescoço, infelizmente, ainda é comum que os pacientes sejam diagnosticados já em fase avançada da doença e que os cuidados paliativos entrem tardiamente. Quanto mais precoce, maior a oportunidade de fazer intervenções que sejam de fato efetivas.

 

Isso vale tanto para o paciente oncológico com perspectivas de cura como para cenários de fim de vida?


Certamente. Isso porque o adoecimento e o tratamento oncológico trazem uma jornada desafiadora, mesmo quando o intuito é curativo. Importante ressaltar que o médico paliativista atua de modo conjunto dentro da equipe multidisciplinar e pode contribuir, inclusive, para aumentar a tolerância ao tratamento. Para entender melhor a importância desse aspecto, podemos pensar em um paciente de câncer de cabeça e pescoço que, muitas vezes, terá que enfrentar cirurgias extensas, radioterapia e quimioterapia, às vezes, conjuntas, e a possibilidade de um alto burden de sintomas, mesmo que o tratamento tenha desfecho positivo.

 

Qual é o papel do médico paliativista dentro da equipe multidisciplinar?


A equipe de cuidados paliativos contribui para o manejo de sintomas complexos de diferentes dimensões, como já discutido, especialmente diante dos impactos funcionais e estéticos significativos associados aos tumores de cabeça e pescoço. Atua também como facilitadora da comunicação entre as equipes assistentes e entre estas, o paciente e sua família, auxiliando na tomada de decisões compartilhadas e alinhadas aos valores e objetivos de vida do paciente. Além disso, o paliativista tem papel fundamental na construção de diretivas antecipadas de vontade, no planejamento de cuidados, favorecendo um cuidado centrado na pessoa ao longo de todo o percurso da doença.


Existem diferentes modelos de integração do paliativista à equipe. Nos serviços onde trabalho, por exemplo, o atendimento do paciente acontece em conjunto no mesmo consultório o que facilita muito a interação. Além do médico paliativista, temos psicóloga, nutricionista, fonoaudióloga, fisioterapeuta, enfermeira, entre outros profissionais de saúde, promovendo discussões multidisciplinares em tempo real para uma tomada de decisão mais efetiva.

 

Considerando a realidade brasileira, o atendimento precoce do paciente oncológico pelo médico paliativista já é uma realidade?


Embora haja avanços nesse cenário, o encaminhamento precoce aos cuidados paliativos ainda representa um desafio significativo. Muitos pacientes — no Brasil e em outros países — continuam a ser inseridos tardiamente nesse tipo de acompanhamento.

 

Por que isso acontece e como resolver essa questão?


Entre as principais barreiras para o encaminhamento precoce estão a incerteza sobre o papel do paliativista em cenários que não o fim de vida, como já mencionado; dificuldade de acesso a equipes especializadas; resistência por parte da equipe de saúde, dos pacientes e familiares; e a ausência de modelos estruturados de integração entre a equipe de cuidados paliativos e a equipe assistente já envolvida no tratamento.


Parte da solução envolve a disponibilização de equipes de cuidado paliativos nos serviços de oncologia, com modelos bem definidos de integração. A interação entre o paliativista e o oncologista é de fundamental importância para sucesso na parceria e o olhar atento dos demais profissionais às necessidades paliativas dos pacientes favorecem o encaminhamento em tempo oportuno. A definição de indicadores claros para o encaminhamento é outro fator que pode auxiliar.

 

Como um médico paliativista lida com o paciente que está em fim de vida e sua família?


No contexto de fim de vida, a equipe de cuidado paliativo tem um papel fundamental na definição das prioridades e foco do cuidado. Para pacientes que desejem participar de decisões, é importante revisar ou construir, caso ainda não tenha sido elaborado, o plano avançado de cuidados. É fundamental identificar as prioridades do paciente, alinhar expectativas e auxiliar na execução, se possível, inclusive em outras questões para além dos cuidados de saúde. É importante o controle de sintomas de maneira rápida e efetiva, considerando o contexto limitado de tempo, evitando intervenções fúteis. Atuamos também na definição do cenário de cuidado, na comunicação compassiva e honesta, orientação sobre os sinais de final de vida, preparando o paciente e a família para o desfecho. É papel do cuidado paliativo, também, o apoio no processo de luto.

 

Você pode compartilhar conosco alguns casos marcantes de pacientes em sua trajetória?


Tenho alguns que me marcaram muito. Um primeiro deles eu ainda estava na residência. Foi um paciente que tratou um tumor de base de língua avançado, precisou ser  traqueostomizado, perdeu a capacidade de falar e estava em sua última internação.  Sofria dores de difícil controle. Ele era médico e passou por um processo muito difícil de desfazer o consultório e encaminhar seus pacientes para colegas. A equipe multidisciplinar se comunicava com ele por meio da escrita e deu o suporte para que pudesse resolver as pendências que julgava importantes. Cerca de 48 horas antes de morrer, ele escreveu: "Agora eu posso só aguardar, porque está tudo resolvido".


Recentemente, acompanhamos uma paciente com câncer de parótida por cerca de um ano. Nesse período, a doença progrediu, ela fragilizou, precisou de fala e deglutição adaptadas. Adaptou a vida, viajou, trabalhou, aprendeu hobbies. Entre os desejos de fim de vida que expressou estava o de ver nascer sua próxima neta. Tivemos que conversar com ela de maneira honesta sobre a possibilidade de isso não acontecer. Em conjunto, construímos lembranças para que ela deixasse para a futura neta. Ela deixou cartas para a neta que ia nascer e para os demais com os quais já convivia.


Um último exemplo: acompanhamos uma paciente idosa previamente robusta, mas fragilizada por um câncer de esôfago. Fomos chamados para manejo dos sintomas, principalmente ansiedade e dor. Com auxilio do especialista em dor, conseguimos controlar sintomas.  Precisou colocar prótese esofágica, teve muitos desafios, mas concluiu o tratamento, não tem sinais de doença ativa e nenhum sintoma descontrolado. Teve alta da equipe de cuidados, hoje caminha 6 quilômetros por dia. Esse é um caso em que a intervenção paliativa ajudou a melhorar os efeitos colaterais, contribuindo para que a paciente tolerasse mais o tratamento que acabou tendo desfecho positivo.

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