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O papel e os avanços da cirurgia de reconstrução no câncer de cabeça e pescoço

  • Foto do escritor: gbcpcomunicacao
    gbcpcomunicacao
  • há 4 horas
  • 6 min de leitura

No câncer de cabeça e pescoço, além de resultados oncológicos favoráveis, o cirurgião também precisa considerar os efeitos do tratamento sob a qualidade de vida do paciente. Nesse contexto, a cirurgia reconstrutora é uma aliada ao contribuir para que o paciente também alcance bons resultados na recuperação funcional e estética.

 

câncer de cabeça e pescoço

 “O procedimento evoluiu muito e hoje, praticamente, não temos limites técnicos sobre o que pode ser reconstruído”, diz o cirurgião de cabeça e pescoço José Guilherme Vartanian, diretor do departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do A.C.Camargo Cancer Center.

 

Mas há desafios a serem vencidos, entre eles, a falta de profissionais especializados em microcirurgia reconstrutora para os procedimentos mais complexos. Conversamos com Vartanian sobre essas e outras questões.

 

Confira a entrevista.


Qual é a importância da cirurgia de reconstrução nos cuidados de um paciente de câncer de cabeça e pescoço?

Câncer de cabeça e pescoço é uma denominação genérica que damos aos tumores malignos que podem acometer a região da base do crânio até o esterno (osso no formato de um T, que fica no centro da parte anterior do tórax). Assim, o cirurgião de cabeça e pescoço trata de tumores de faringe,  laringe,  tireoide, fossa nasal, boca, olho, pele, partes moles. A especialidade não inclui o sistema nervoso central e a coluna, que são tratados pela neurocirurgia. A cirurgia de reconstrução pode beneficiar, principalmente, pacientes acometidos por cânceres da cavidade oral, faringe e laringe que são predominantemente carcinomas epidermoides, associados ao tabagismo e consumo de álcool. São tumores que, devido sua localização, há maior chance do tratamento cirúrgico provocar impacto em funções importantes do paciente.

 

Que impactos são esses?

Uma fração  pequena de pacientes com tumor de laringe e orofaringe, apenas àqueles em fase inicial da doença,  podem não ir para cirurgia e serem tratados somente com radioterapia e quimioterapia. A maioria dos pacientes de câncer de boca necessita de tratamento cirúrgico, assim como os com doença avançada de laringe e orofaringe. Para tratar esses pacientes, o cirurgião precisa ressecar o tumor e ainda fazer uma margem de segurança em torno da lesão para diminuir o risco de sobrar alguma célula cancerígena.  A cirurgia para remover o tumor, a depender do tamanho da ressecção, pode prejudicar a mastigação, a deglutição e até a fala. Com isso, o paciente pode ter dificuldades para se alimentar e comunicar e, ainda, ter prejuízos estéticos com mudanças na aparência. Considerando que a maioria dos pacientes de câncer de cabeça e pescoço precisa de cirurgia oncológica, a possibilidade de reconstruir regiões, minimizando sequelas é um grande benefício.

 

Em que momento, o paciente faz a cirurgia reconstrutora?

O ideal e mais recomendado é fazer a reconstrução no mesmo momento da cirurgia oncológica de ressecção do tumor. Mas há exceções em que a reconstrução é realizada em um segundo momento. São casos, por exemplo, de pacientes que têm algum problema clínico que impede submetê-lo a um procedimento cirúrgico de longa duração. Ou mesmo de pacientes que já passaram por uma reconstrução cujo resultado ficou aquém do esperado e necessitam de uma segunda intervenção.

 

É o cirurgião de cabeça e pescoço que faz a reconstrução?

Pode ser o cirurgião de cabeça e pescoço ou o cirurgião plástico. Isso vai depender do nível de complexidade. Nesse aspecto, podemos dividir as reconstruções em três tipos:  com uso de retalhos locais, regionais ou revascularizados. Esses retalhos são transplantados de outra região do corpo do paciente para a área que precisa ser reconstruída. Em linhas gerais, cirurgias reconstrutoras com retalhos locais ou regionais podem ser realizadas pelo cirurgião de cabeça e pescoço. Já procedimentos  com retalhos revascularizados precisam de um cirurgião plástico especializado em microcirurgia. Mas as sociedades médicas têm incentivado que cirurgiões de cabeça e pescoço se especializem em microcirurgia para também atuar nesses procedimentos mais complexas.

 

Por que ocorre esse incentivo das sociedades médicas?

Temos poucos cirurgiões plásticos interessados em microcirurgia reconstrutora de câncer de cabeça e pescoço. Em geral, apenas grandes centros de referência em oncologia têm um especialista em microcirurgia na equipe e, muitas vezes, em número insuficiente para atender a demanda. Na realidade, é mais atraente financeiramente para o cirurgião plástico se dedicar a outros segmentos, como  da estética. Com isso, temos carência desse profissional no mercado. Diante desse cenário, cirurgiões de cabeça e pescoço estão começando a se interessar em microcirurgia reconstrutora para atender a demanda de sua própria especialidade. Paralelamente, sociedades médicas de cabeça e pescoço estão se movimentando para oferecer cursos de especialização em microcirurgia reconstrutora.

 

Na prática, como são as diferenças entre os tipos de reconstrução?

Vou exemplificar. Em uma cirurgia em que foi necessário remover pequena parte do lábio inferior do paciente, eu posso fazer uma reconstrução, usando um retalho local, retirado do lábio superior. Mas se na cirurgia oncológica for necessário ressecar uma parte mais ampla -  seja da boca ou da garganta – vou precisar fazer a reconstrução com um retalho maior que pode ser retirado da região peitoral do paciente (retalho regional). No caso de retalhos vascularizados, o procedimento é mais complexo. É preciso retirar  um segmento de pele, músculo, com ou sem osso, de algum local do corpo do paciente para transplantar para a região da cabeça e pescoço e fazer a anastomose vascular, religando artéria com artéria e veia com veia para manter o fluxo sanguíneo. Como os vasos são fininhos, o fio usado para suturar é mais fino que um fio de cabelo. O procedimento é realizado com ajuda de um microscópio. Portanto, é um procedimento minucioso que pode levar várias horas. Na reconstrução de uma mandíbula, por exemplo, é possível usar uma parte da fíbula (osso da perna), com um pouco de músculo e pele. Com a presença do osso na reconstrução, o paciente poderá posteriormente implantar dentes.

 

 Você considera a microcirurgia um campo interessante para o cirurgião de cabeça e pescoço?

Sem dúvida. É um campo interessante que traz benefício para o paciente, o cirurgião e as instituições oncológicas. A microcirurgia é a técnica padrão ouro para grandes reconstruções e a carência de profissionais especializados impõe limites a cirurgiões e serviços de cabeça e pescoço que desejam oferecer o que há de melhor a seus pacientes. Além disso, o cirurgião de cabeça e pescoço ao adquirir essa competência cria condições para aumentar seus rendimentos.

 

Qual o impacto da microcirurgia reconstrutora para o paciente?

O procedimento evoluiu muito e hoje, praticamente, não temos limites técnicos sobre o que pode ser reconstruído. No passado, antes da microcirurgia, um grande tumor sempre resultava em um grande defeito. As vezes o câncer era ressecável, mas a sequela era tão grande, que alguns profissionais optavam por não operar e recomendavam a radioterapia, mesmo sabendo que em termos curativos não seria a melhor opção. E quando falamos de defeito aqui não estamos nos referindo apenas a questões estéticas, mas ao comprometimento de funções importantes do paciente, como motoras, comunicação e nutrição. No A.C.Camargo publicamos tempos atrás um trabalho retrospectivo, com uma série grande de pacientes operados de câncer de cabeça e pescoço, submetidos à reconstrução de grandes defeitos. Comparamos os que trataram com retalhos regionais aos microcirúrgicos. Esses últimos tiveram menos recorrência e maior sobrevida. Claro que um trabalho  retrospectivo tem suas limitações de evidência científica, mas esses resultados foram interessantes e nos permitem inferir que quando o cirurgião de cabeça e pescoço conta na equipe com um especialista em reconstrução microcirúrgica, ele fica mais livre para optar por uma margem maior na cirurgia, que dará melhor resultado oncológico, porque sabe que poderá contar com a reabilitação do paciente pela reconstrução microcirúrgica.

 

Como a microcirurgia reconstrutora tem evoluído?

As primeiras descrições de cirurgias com retalho microcirúrgico foram na década de 1960. Mas o procedimento começou a se popularizar nos anos 1990 e revolucionou o tratamento do câncer de cabeça e pescoço. Os desfechos da reconstrução foram se tornando cada vez melhores tecnicamente. A evolução aconteceu na qualidade dos microscópios, da instrumentação, dos fios cirúrgicos cada vez mais delicados. Também avançaram os cuidados anestésicos e perioperatórios, fatores importantes para esse tipo de cirurgia que, a depender do caso, pode durar até 10 horas, considerando a retirada do tumor e a reconstrução.

 

Há alguma contraindicação em relação ao procedimento?

Precisamos avaliar o paciente clinicamente, estabelecendo seu risco cirúrgico. Para um paciente cardiopata, por exemplo, pode ser muito arriscado um procedimento complexo de longa duração. Podemos optar por um procedimento mais simples. E não é apenas o risco cirúrgico que precisamos levar em consideração, as decisões precisam ser compartilhadas com o paciente para um tratamento personalizado. Atendi um paciente que tinha um tumor de língua. Era preciso retirar quase metade do órgão, além dos linfonodos do pescoço. Nesse caso, o protocolo é fazer a reconstrução durante a cirurgia oncológica para evitar que a saliva escape para a região do pescoço, provocando infecção. No entanto, o paciente jogava tênis e ficou muito apreensivo em retirar esse retalho do braço e ter alguma sequela que, eventualmente, o impedisse de seguir com o esporte. Optamos por fazer o procedimento em dois tempos – um para remoção do tumor da língua e, depois da cicatrização, o outro para os linfonodos. Dessa forma, evitamos o risco de escape de saliva  e a necessidade de reconstrução. O paciente ficou totalmente recuperado, sem sequela e continua a jogar tênis.  Assim, precisamos pensar de maneira ampla, proporcionando resultados que também consideram sua qualidade de vida.

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