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O suporte psicológico que transforma o tratamento do câncer de cabeça e pescoço

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    gbcpcomunicacao
  • há 13 minutos
  • 5 min de leitura

Confira a seguir a entrevista com Mariana Gonçalves D'Afonseca de Britto, psicóloga titular do A.C.Camargo Cancer Center, sobre a  atuação desse profissional no apoio do paciente oncológico e, especificamente, em relação ao paciente com câncer de cabeça e pescoço


Mariana Gonçalves D'Afonseca de Britto,


Qual é o papel da psicologia no tratamento do paciente oncológico?

Atuo na área de oncologia como psicóloga há cerca de 12 anos. Cada vez mais estudos comprovam que o acompanhamento psicológico do paciente com câncer é um importante pilar do tratamento. Consideramos o paciente um ser biológico, psicológico, social e espiritual. Essas dimensões e não apenas a parte física devem ser consideradas. Muitas vezes o estado emocional do paciente sofre impactos porque algo físico não está funcionando. Por essa razão, ele precisa, além do tratamento tradicional com medicações e outros procedimentos terapêuticos que cuidam do físico, de cuidados dos outros cenário. É nesse contexto que entra o importante papel da psicologia.

 

Quando é o momento   ideal para a entrada do psicólogo na jornada do paciente oncológico?

O ideal seria entrar já no diagnóstico ou até antes quando a pessoa está realizando exames para confirmar ou excluir um possível câncer. Nas duas situações, o impacto emocional pode acontecer. São momentos que podem gerar picos de ansiedade, desorganização e até um colapso emocional. Nesses casos, o trabalho do psicólogo é dar suporte ao paciente na travessia do adoecimento. O câncer traz uma série de mudanças na vida laborativa, afetiva, financeira, espiritual e social.  O paciente começa a vivenciar muitas perdas simbólicas e concretas. Nosso principal papel é ajudar o paciente a ressignificar tudo isso. Muito importante é considerar que a experiência de adoecimento do paciente é singular. Cada pessoa vai apresentar impactos diferentes. Mas não são todos os pacientes que precisam de suporte psicológico. Isso depende de vários fatores, como história de vida pessoal, organização familiar, momento de vida em que acontece o adoecimento, recursos psíquicos de enfrentamento disponíveis, dentre outros. Portanto, seria importantíssimo que todos pudessem passar por uma avaliação psicológica para definirmos se há necessidade ou não de nosso acompanhamento naquele determinado momento.

 

Em relação ao paciente com câncer de cabeça e pescoço, há especificidades?

No caso de pacientes com qualquer tipo de câncer de cabeça e pescoço temos alguns impactos específicos. Entre eles, percebemos que uma das situações que causa maior sofrimento está relacionada, por exemplo, às repercussões emocionais depois de uma cirurgia mutiladora no rosto, pois geralmente tem grande impacto na autoimagem. Isso pode provocar uma sensação de vulnerabilidade e desamparo muito intensas, além de dificuldade de ressocializar. Muitos dos pacientes precisam usar a traqueostomia por muitos meses, uma sonda no nariz, um curativo aparente, além das cicatrizes e de outros dispositivos que ficam muito a mostra.

Falar sobre essas questões é muito importante. A maioria das pessoas tende a menosprezar aspectos relacionados à aparência, considerando que diante da cura do câncer, sequelas no rosto ou em outra região aparente são futilidade. Mas não é assim, pois esses aspectos fazem parte da construção da identidade do sujeito, que lhe ajuda a se posicionar no mundo.

 

Qual seria o comportamento correto diante dessa situação?

É preciso validar o sofrimento do paciente. Isso não significa que a pessoa tenha que concordar com tudo que o paciente diz. Mas é preciso dar espaço para que ele possa sofrer de maneira legitima. O paciente precisa de tempo para se reestruturar. Conduzir corretamente é agir de maneira compassiva, acolhendo o sofrimento sem minimizar, tentar entender, aproximar-se do sofrimento por mais que isso seja difícil. Não trazer frases de otimismo vazio, como: “calma, vai ficar tudo bem, não precisa chorar” ou “pelo menos você se curou do câncer, agora é vida normal”.

 

Em relação à família do paciente, a psicologia também pode ajudar?

Sim. E isso é importante porque a família, na maioria das vezes, é um dos principais suportes do paciente. Quando o paciente chega para tratamento, ele não é uma folha branco. Ele tem história, identidade, gostos, dificuldades e está inserido em um sistema familiar. Esse sistema pode ser disfuncional e há casos em que o paciente prefere estar sozinho durante o tratamento porque o familiar fica mais ansioso do que ele. Mas, geralmente, o psicólogo consegue identificar quem na família é a principal figura de cuidado e suporte ao paciente. E mesmo quando entendemos que há questões familiares, ajudamos a reestruturar vínculos. E, independentemente do perfil da família, há um aspecto importante que precisamos abordar, que é seu autocuidado. Os familiares precisam continuar a fazer coisas que lhes dão prazer e manter, na medida do possível, sua rotina. Isso é fundamental para que consigam dar suporte ao membro da família que está em tratamento oncológico.

 

 

 Qual é o perfil da maioria dos pacientes de cabeça e pescoço?

Em geral, homens entre 50 e 60 anos, tabagistas e com histórico de uso de álcool. São pacientes que podem apresentar uma dificuldade ainda maior de aderir às orientações das equipes de saúde, assim como o acompanhamento psicológico. Temos descrito na literatura, que os homens têm maior dificuldade em procurar ajuda para assistência à saúde, diferentemente das mulheres. E isso causa um impacto no autocuidado. Para os homens, a questão do trabalho em uma sociedade patriarcal ganha contornos muito importantes. É comum ouvirmos desses pacientes, falas que explicitam os impactos emocionais do adoecimento físico, que estão relacionados à manutenção da identidade como “homens”.

 

Como você lida com este perfil de paciente?

É um perfil muito específico e precisamos, sempre que possível, ajudá-lo a encontrar uma nova forma de trabalhar e sentir-se útil porque esta questão para o homem, geralmente está ligada a aspectos que compõem a sua masculinidade. Algo importante de se fazer, é auxiliar os pacientes, em geral, em sua reintegração social, a reconstruir vínculos e promover a valorização de outros padrões de beleza. É fundamental refletirmos sobre o fato de que a essência pode ser mais importante que a aparência, o que não é fácil em uma sociedade como a nossa que valoriza tanto um padrão de beleza específico e, muitas vezes, inalcançável.

 

E quanto ao consumo de álcool e tabagismo, há um trabalho do psicólogo para tentar que o paciente abandone esses vícios?

Atuamos com esse paciente em conjunto com a equipe multidisciplinar, a exemplo do psiquiatra, a nutricionista, a fonoaudióloga, assistente social e a enfermeira. No caso de nós, psicólogos, trabalhamos com os aspectos emocionais, como a ansiedade, que dificultam que o paciente pare de beber e fumar. Além da dependência química, o paciente pode desenvolver um vínculo emocional com a substância, usando-a para regular sentimentos. Há casos de pacientes que fumam pela traqueostomia. Outros, falam que nem percebem quando estão fumando, pela força do hábito. Trabalhamos para reorganizar a rotina do paciente e motivá-lo a incluir hábitos saudáveis, que podem contribuir para diminuir a ansiedade e ajudar que ele pare de fumar e consumir álcool.

 

Como é a interação entre a equipe multidisciplinar?

Em grandes centros de referência é comum que existam reuniões específicas para promover esta interação. Por exemplo, temos os “Tumor Bords”, que geralmente acontecem semanalmente, com a participação dos médicos especialistas nas diversas especialidades da oncologia e de outras áreas médicas e multiprofissionais relacionadas. Nessa oportunidade analisamos e discutimos casos mais complexos de pacientes para definir o melhor plano de tratamento.  

 

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